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Aquecimento ôhmico para pasteurização de sucos, uma tecnologia promissora para o setor

O tratamento térmico é o processo físico mais utilizado na indústria de alimentos, sendo de grande importância para aumentar a vida útil deles. É comum que sejam feitas as operações de pasteurização, pasteurização lenta e UHT (Ultra High Temperature) em produtos como leite UHT, achocolatados, sucos, cervejas, molhos, entre outros. Apesar de muito utilizados, os tratamentos térmicos convencionais geram perdas nutricionais e sensoriais. Diante dessas desvantagens e de uma crescente necessidade do uso de métodos mais sustentáveis, o aquecimento ôhmico surge como uma tecnologia emergente na área de processamento térmico. 

O mecanismo de funcionamento do aquecimento ôhmico ocorre da seguinte maneira: uma corrente elétrica alternada passa pelo alimento inserido entre dois eletrodos, onde devido ao efeito Joule, ocorre a conversão da energia elétrica em térmica, aquecendo o alimento de forma instantânea e homogênea. Devido ao aquecimento volumétrico e homogêneo, é possível aquecer alimentos com diferentes consistências de forma igual, evitando certos problemas de superaquecimento. Assim, é possível melhorar as características sensoriais de alimentos que contenham partes líquidas e sólidas, como iogurtes com pedaços de frutas, sopas, entre outros. Este rápido aquecimento, de forma homogênea em todo alimento, constitui uma das principais vantagens do método, frente aos demais processos térmicos. 

O êxito do processo depende do campo elétrico criado e da condutividade elétrica do produto. O campo elétrico é definido pela razão entre a voltagem da fonte energética e a distância entre os eletrodos, no qual o alimento está inserido. Quanto maior o campo elétrico, maior a intensidade de aquecimento do alimento. Já a condutividade elétrica está relacionada aos constituintes do próprio, como: o teor de sólidos, de gorduras, água e presença de gases, além das características físicas, como: textura e viscosidade. Por exemplo: alimentos com maiores teores de sólidos resultam em um aquecimento mais rápido quando comparados a alimentos com altos teores de gordura, uma vez que gorduras são isolantes, enquanto a presença de sólidos facilita a condução elétrica. Outro exemplo: alimentos líquidos tem a condução de elétrons mais facilitada quando comparados a alimentos sólidos. Portanto, as características dos alimentos interferem diretamente nos parâmetros de processo (campo elétrico e condutividade elétrica) e, consequentemente na taxa de aquecimento dos alimentos. 

Em relação a inativação microbiana, além do efeito térmico do processo, é relatado que o aquecimento ôhmico causa eletroporação na célula microbiana, que é a formação de poros na membrana celular. Apesar de ainda pouco explorada em estudos, percebeu-se que a eletroporação altera a permeabilidade celular e pode romper a membrana, levando à morte celular. Desta forma, seria possível definir tratamentos com menores intensidade térmica, minimizando a degradação nutricional, mas com a mesma eficácia na redução das contagens (mesmos valores de F). Contudo, por ser um fenômeno ainda controverso, órgãos regulamentadores, como o FDA, estabelecem que os processos térmicos (Pasteurização ou Esterilização) via aquecimento ôhmico, devem seguir os mesmos parâmetros cinéticos dos microrganismos alvo e suas respectivas reduções decimais via processamento convencional. Ou seja, uma pasteurização ôhmica deve possuir os mesmos binômios tempo x temperatura de uma pasteurização convencional. 

Apesar de seguir o mesmo binômio, como a taxa de aquecimento no aquecimento ôhmico pode ser aumentada, o tempo de subida até a temperatura alvo é reduzida, reduzindo assim, a carga térmica do processo, minimizando os efeitos deletérios em compostos nutricionais, como vitaminas. Além dessa vantagem, o aquecimento ôhmico se destaca por não utilizar, necessariamente, combustíveis fósseis para geração de calor, apresentando-se assim como uma tecnologia sustentável. Outras vantagens podem ser evidenciadas, sendo elas:

– Eficiência energética maior que a de outros tipos de tratamento térmico;

– Ausência da necessidade de superfícies para transferência de calor;

– Aquecimento rápido, uniforme e utilizável em alimento com fases líquida e sólida simultâneas;

– Menor espaço ocupado na planta da indústria;

 – Diminuição da perda de qualidade devido ao super processamento;

– Menores perdas energéticas, pois o sistema ao ser desligado, cessa o fornecimento de calor;

– Redução de incrustação (Fouling), melhorando a eficiência do processo e reduzindo o custo na limpeza.

Apesar das vantagens, a tecnologia também possui certas desvantagens, como: a dificuldade de controlar a taxa de aquecimento do produto, devido às mudanças da condutividade elétrica durante o processo e o aparecimento de zonas frias no alimento, principalmente em alimentos gordurosos, provocando uma não uniformidade de aquecimento, o que afetar a segurança microbiológica do produto.

Esta tecnologia é favorável para a pasteurização e conservação de sucos, devido às características das frutas, como alta teor de sólidos solúveis e baixo teor de gordura, resultando em um alimento com alta condutividade elétrica. Este fato possibilita um rápido aquecimento durante o processo elétrico, reduzindo o gasto energético, além de minimizar bastante os efeitos deletérios dos processos convencionais, como perdas em nutrientes termossensíveis dos frutos. Jermann et al (2015) realizaram um estudo mapeando quais são as tecnologias emergentes em potencial para processamento de alimentos. Através de um questionário envolvendo especialistas em alimentos, como CEOs e pesquisadores, no EUA e Canadá, os autores constataram que o aquecimento ôhmico constitui uma das principais tecnologias emergentes para o processamento de sucos.

Diversos estudos envolvendo sucos reportam tais vantagens. Por exemplo, pesquisadores observaram que a decomposição da vitamina C é menor durante a pasteurização com aquecimento ôhmico em suco de acerola, quando comparado ao tratamento convencional (Mercali et al., 2012, 2013). Em suco de laranja e de uva, pesquisadores observaram a otimização na inativação da enzima pectilmetilesterase, durante o aquecimento ôhmico comparado ao convencional (Icier et al., 2008; Leizerson & Shimoni, 2005a, 2005b). A inativação dessa enzima em suco de laranja, é de grande importância, pois é responsável por grande perda de qualidade do suco de laranja, resultando na redução de viscosidade, perda de turbidez e separação de fases no produto (Figueiredo et al. (2001). Em relação às características físicas de sucos, foi observado que não houve nenhuma diferença nas propriedades reológicas do suco de romã em comparação aos tratamentos ôhmico e convencional (Yildiz et al., 2009)

Além do uso em sucos, a técnica vem sendo utilizada no processamento de vegetais, carnes, frutas e leite. O uso comercial do aquecimento ôhmico já é uma realidade na Europa, Japão e Estados Unidos, já que é indubitável sua menor agressividade em comparação aos processos convencionais. Atualmente, as principais aplicações dessa tecnologia são processos de branqueamento de vegetais, descongelamento de carne, pasteurização de preparados de fruta e processos de desidratação de frutos e vegetais.

Algumas empresas, principalmente americanas e europeias, fornecem esse tipo de equipamento em diferentes configurações, como: Agro Process (https://www.agro-process.com/), C-Tech Innovation (https://www.ctechinnovation.com/technology/ohmic-heating/), Kasag (https://www.kasag.com/en/product/product-batch-cooking-plants-plant-components-ohmic-heating/). No Brasil, a única empresa encontrada foi Labsolutions (https://www.labsolutions.com.br/), com representação em Santo André/SP. Em geral, os equipamentos são similares aos trocadores de calor tubulares, onde somente o sistema de aquecimento é diferente, sendo de através da eletricidade. Além disso, as principais vantagens destacadas nos catálogos são: redução do tempo de processamento, do consumo de energia e de incrustações, o que resultam em economias durante os processos de higienização. 

A necessidade de prolongar a vida útil dos alimentos é constante diante da dinâmica atual da sociedade. Por isso, o desenvolvimento de tecnologias de processamento térmico é valoroso. Como todas as tecnologias já existentes, o aquecimento ôhmico possui suas desvantagens, mas pode ser usado em uma ampla variedade de alimentos. Utilizado corretamente, haverá um melhor aproveitamento das propriedades nutricionais, sensoriais e funcionais dos alimentos processados, além de promover economia de tempo, dinheiro e combustíveis fósseis. Com o crescente uso da tecnologia, será possível aperfeiçoar a técnica e corrigir ou amenizar seus defeitos. Sendo assim, faz-se necessário também que ela seja mais estudada e explorada não só pelas indústrias, mas também pela pesquisa acadêmica.  

 

Referências

  • CASTRO, I. Aquecimento ôhmico: Novas tecnologias de processamento alimentar. Segurança e Qualidade Alimentar, n. 4, p. 38-39, 2008.
  • CAPPATO et al. Ohmic heating in dairy processing: Relevant aspects for safety and quality. Trends in Food Science & Technology, vol. 62, p. 104-112, 2017.
  • FIGUEIREDO, R. W.; LAJOLO, F. M.; ALVES, R. E. et al. Alterações de firmeza, pectinas e enzimas pectinolíticas durante o desenvolvimento e maturação de pedúnculos de cajueiro anão precoce (Anacardium occidentale L. Var. nanum) CCP-76. Frutales, v.43, p.82-86, out., 2001.
  • ICIER, F., YILDIZ, H., & BAYSAL, T. . Polyphenoloxidase deactivation kinetics during ohmic heating of grape juice. Journal of Food Engineering, 85, 410e417, 2008.
  • JBT. Sterideal Permutador de calor óhmico. JBT, 2022. Disponível em: <https://www.jbtc.com/foodtech/pt-br/products-and-solutions/products/pasteurizers-and-sterilizers/tubular-heat-exchangers/sterideal-ohmic/>. Acesso em: 12 dez. 2022. 
  • JERMANN, C., KOUTCHMA, T., MARGAS, E., LEADLEY, C., & ROS-POLSKI, V.  Mapping trends in novel and emerging food processing technologies around the world. Innovative Food Science & Emerging Technologies, 31, 14e27, 2015. 
  • KNIRSCH, M. C. Construção de sistema de aquecimento ôhmico e verificação comparativa do comportamento da proteína verde fluorescente e da bacteriocina nisina quando sob aquecimento convencional e ôhmico. 2010. 77 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Químico-Farmacêutica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 
  • LEIZERSON, S., & SHIMONI, E.  Effect of ultrahigh-temperature continuous ohmic heating treatment on fresh orange juice. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 53, 3519e3524, 2005a
  • LEIZERSON, S., & SHIMONI, E.  Stability and sensory shelf life of orange juice pasteurized by continuous ohmic heating. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 53, 4012e4018, 2005b
  • MERCALI, G. D., JAESCHKE, D. P., TESSARO, I. C., & MARCZAK, L. D. F.  Study of vitamin C degradation in acerola pulp during ohmic and conventional heat treatment. Lwt-Food Science and Technology, 47, 91e95, 2012.
  • MERCALI, G. D., JAESCHKE, D. P., TESSARO, I. C., & MARCZAK, L. D. F.  Degradation kinetics of anthocyanins in acerola pulp: Comparison between ohmic and conventional heat treatment. Food Chemistry, 136, 853e857, 2013.
  • PEREIRA, R. N.; RODRIGUES, R. M.; TEIXEIRA, J. A.; VICENTE, A. A. Aquecimento óhmico: uma ferramenta ao serviço da biotecnologia. Boletim de Biotecnologia, p. 41-43, 2015. 
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  • USA-FDA, & United States of America, Food and Drug Administration, Center for Food Safety and Applied Nutrition. (2000). Kinetics of microbial inactivation for alternative food processing technologies: Ohmic and inductive heating. http:// www.cfsan.fda.gov/wcomm/ift-ohm.html.
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2 comments
  1. Para aquecer água esse sistema gasta menos energia elétrica do que por resistência elétrica ?

    1. Essa resposta depende da condutividade elétrica da água, mas em geral, esse processo gasta menos sim, devido ao efeito Joule do sistema

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