Introdução
As plantas alimentícias não convencionais (PANCs) são espécies nativas ou exóticas que não estão comumente em nosso cardápio cotidiano e que possuem uma ou mais partes comestíveis, podendo ser representadas por frutos, folhas, flores, rizomas, sementes e inflorescências, e ser consumidas cruas e/ou após cocção (KINUPP; LORENZI, 2014). Essas plantas são encontradas em vários tipos de solos e crescem entre hortas e canteiros de forma espontânea ou cultivadas. Podem apresentar propriedades funcionais e elevados teores de sais minerais, vitaminas, fibras, carboidratos e proteínas, que variam de acordo com a espécie (BRASIL, 2010).
Por muito tempo, as PANCs fizeram parte da alimentação humana, sendo tradicionalmente cultivadas em canteiros e quintais domésticos, contudo, com o passar do tempo, vários fatores contribuíram para o desconhecimento e subutilização dessas espécies de alto potencial econômico e nutricional, como por exemplo a urbanização, a inserção de novos cultivares na alimentação, o modelo atual do sistema global da agro alimentação, além do padrão alimentar predominantemente limitado e industrializado (LEAL et al., 2018). Além de apresentarem baixo consumo entre a população, seu modo de preparo é restrito, sendo consumidas, na maior parte das vezes, refogadas ou em pratos típicos regionais (FRANCELIN et al., 2018). Esses fatores afastam e geram desconhecimento sobre o assunto, o que leva as PANCs a serem tratadas como ervas daninhas, pois crescem em todo lugar e acabam sendo ignoradas, ou se tornam alvo de extermínio (LIBERATO; LIMA; SILVA, 2019).
O resgate dessas hortaliças é fundamental para evitar o processo de extinção verificado para algumas dessas plantas, uma vez que quando uma planta dessa desaparece, também desaparece parte da tradição, cultura e herança de nossos antepassados (BRASIL, 2010).
Potencial econômico das PANCs
O Brasil possui uma extensa biodiversidade de plantas ricas em nutrientes e entre essas, as PANCs, além de serem uma alternativa alimentar, são também uma opção de atividade agropecuária, por serem plantas com excelente valor nutricional, de fácil cultivo e baixo custo (ROCHA et al., 2008). Porém, mesmo com essas vantagens, estima-se uma perda anual no país de cerca de duas toneladas de PANCs por hectare, por serem consideradas plantas invasoras sendo, consequentemente, descartadas.
O que muitas pessoas não sabem, é que as PANCs possuem papel importante no enriquecimento e diversificação da alimentação, por não dependerem de insumos agrícolas e nem de amplo espaço para seu cultivo, podendo ser plantadas em ambientes domésticos ou em pequenas áreas, como sacadas de prédios e quintais podendo, inclusive, se tornar uma fonte de renda por meio do comércio das plantas ou produtos à base delas, como geleias, farinhas e outros (TERRA; VIERA, 2019). Assim, as PANCs podem ser recursos alimentares interessantes para promover a autonomia das famílias, garantindo soberania e segurança alimentar e nutricional (XAVIER, 2015), fornecendo uma fonte de renda e um alimento rico em nutrientes.
Na agricultura, as PANCs são mais resistentes às condições ambientais locais, como excesso de chuvas e ondas de calor ou frio e podem atuar como indicadoras da qualidade do solo, sinalizando possíveis desequilíbrios, como deficiência ou excesso de nutrientes, acidez e compactação. Além disso, os agricultores podem fazer uso delas para o aproveitamento de áreas consideradas improdutivas, já que elas possuem a capacidade de recuperar essas áreas, promovendo a reciclagem de nutrientes do solo e por possuírem condições sazonais diferentes, acarretando na oferta de alimentos durante todo o ano (CHOMENKO et al., 2016; TERRA; VIERA, 2019). Seu cultivo e comercialização por meio da agricultura familiar, especialmente em mercados locais, podem contribuir não apenas para reduzir o impacto ambiental causado pelo agronegócio e favorecer a complementação de renda dos pequenos produtores, mas também para o resgate da cultura alimentar do país, por meio da disseminação de conhecimento e de uso.
Diversas PANCs fazem parte da Lista Nacional de Espécies da Sociobiodiversidade (BRASIL, 2018). Extrativistas e pequenos agricultores que comercializam espécies dessa lista têm acesso a políticas públicas que visam fortalecer cadeias de valor para produtos da sociobiodiversidade, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Assim, além de seu comércio e consumo terem forte apelo social, sua natureza ecológica e nutricional pode favorecer seu consumo (BARBOSA et al., 2021).
PANCs e seus benefícios para a saúde
As mudanças oriundas da modernização tecnológica na indústria de alimentos impactaram consideravelmente na saúde humana, com o aumento das doenças crônicas como hipertensão, diabetes e sobrepeso, que ocasionou em déficits nutricionais devido a monotonia alimentar. Com o aumento dessas doenças, surge a preocupação dos consumidores com alimentação saudável e seus benefícios.
Assim, são perceptíveis as mudanças nas últimas décadas e as plantas alimentícias não convencionais, vem ganhando mais notoriedade entre os consumidores de alimentos saudáveis e sustentáveis, e se mostram potenciais fornecedoras para a cadeia alimentar, principalmente no que diz respeito à sua utilização para melhorar a qualidade da alimentação em países em desenvolvimento (LEAL et al., 2018).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a recomendação diária para a ingestão de frutas, verduras e hortaliças é de 400 g, o que equivale aproximadamente, ao consumo diário de cinco porções desses alimentos (WHO, 2003). Apesar dessa recomendação, muitos brasileiros ainda não consomem o que é recomendado. O baixo consumo de frutas resulta em quase 1,3 milhões de mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e mais de 520 mil mortes por doença cardíaca coronariana por ano, em todo o mundo. Ao mesmo tempo, a baixa ingestão de legumes e verduras é responsável por 200 mil mortes por AVC e mais de 800 mil por doenças cardíacas (SANTERAMO et al., 2018; MILLER et al., 2019).
Dessa forma, as PANCs podem contribuir para a redução dos déficits nutricionais em comunidades de baixa renda tanto em áreas urbanas como rurais, fornecendo alternativas nutricionais para a população em geral, dando atenção para espécies vegetais ricas em proteínas, incentivando o consumo e cultivo dessas espécies (ALMEIDA; CORREIA, 2012) e ampliando a oferta de alimentos funcionais que possam auxiliar no combate à fome.
Referências
- ALMEIDA, M. E. F.; CORREA, A. D. Utilização de cactáceas do gênero Pereskia na alimentação humana em um município de Minas Gerais. Ciência Rural, v. 42, n. 4, p.751-756, 2012.
- BARBOSA, D. M.; dos SANTOS, G. M. C.; GOMES, D. L.; SANTOS, E. M. da C.; da SILVA, R. R. V.; MEDEIROS, P. M. O rótulo ‘planta alimentícia não convencional’ influencia a aceitação de alimentos por potenciais consumidores? Uma primeira abordagem. Heliyon, v. 7, 2021.
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Manual de hortaliças não-convencionais. Mapa/ACS, p. 92, 2010. Disponível em: http://www.abcsem.com.br/docs/manual_hortalicas_web.pdf Acesso em: 25/10/2023
- BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria interministerial nº 284, de 30 de maio de 2018. Lista de espécies da sociobiodiversidade, para fins de comercialização in natura ou de seus produtos derivados, no âmbito das operações realizadas pelo Programa de Aquisição de Alimentos-PAA. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 de julho de 2018.
- CHOMENKO, L.; BENCKE, G.A.; BECKER, A.N.; HEIDRICH, A.L.; TRENTIN, A.M. et al. Nosso Pampa desconhecido. Porto Alegre: Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 2016.
- FRANCELIN, M. F., VIEIRA, T. F., GARCIA, J. A. A., CORREA, R. C. G., MONTEIRO, A. R. G., BRACHT, A., PERALTA, R. M. Phytochemical, nutritional and pharmacological properties of unconventional native fruits and vegetables from Brazil. In: PETROPOULOS, S. A; FERREIRA, I. C. F. R, BARROS, L. (ed.). Phytochemicals in vegetables: A valuable source of bioactive compounds. 1.ed. United Arab Emirates: Bentham Science Publishers, 2018. p. 442–470.
- KINUPP, V. F.; LORENZI, H. Plantas Alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, São Paulo, p.768, 2014.
- LEAL, M. L.; ALVES, R. P.; HANAZAKI, N. Knowledge, use, and disuse of unconventional food plants. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, v. 14, n.1, p. 6. 2018.
- LIBERATO, P. S.; LIMA, D. V. T.; SILVA, G. M. B. PANCs – Plantas Alimentícias não Convencionais e seus benefícios nutricionais. Environmental Smoke, n.2, v.2, p. 102-111, 2019.
- MILLER, V.; CUDHEA, F.; SINGH, G.; MICHA, R.; SHI, P.; ZHANG, J.; ONOPA, J.; KARAGEORGOU, D.; WEBB, P.; MOZAFFARIAN, D. Estimated Global, Regional, and National Cardiovascular Disease Burdens Related to Fruit and Vegetable Consumption: An Analysis from the Global Dietary Database (FS01-01-19). Current Developments in Nutrition, v.3, p. 5, 2019.
- ROCHA, D. R. da C.; PEREIRA JÚNIOR, G. A.; VIEIRA, G.; PANTOJA, L.; SANTOS, A. S.; PINTO, N. A. V. D. Macarrão adicionado de Ora-pro-nobis (Pereskia aculeata Miller) desidratado. Alimentos e Nutrição, v.19, n.4, p.459-65, out./dez, 2008.
- SANTERAMO, F. G.; CARLUCCI, D.; DEVITIIS, B. D.; SECCIA, A.; STASI, A.; VISCECCHIA, R.; NARDONE, G. Emerging trends in European food, diets and food industry. Food Research International, v. 104, p. 39–47, 2018.
- TERRA, S.B.; VIERA, C.T.R. Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs): levantamento em zonas urbanas de Santana do Livramento, RS. Ambiência Guarapuava, v.15 n.1 p. 112 – 130, 2019.
- XAVIER, G. Agroecologia e recursos alimentares não convencionais: contribuições ao fortalecimento da soberania alimentar e nutricional. Campo-Território: Revista de geografia agrária, v. 10, n. 20, p. 227-245, jul. 2015.
Muito bom o artigo. Importante esta abordagem quanto a garantir que elas não desapareçam e que seja recuperado seu consumo como faziam nossos antepassados. Eu consumo diariamente.
Obrigada pelo comentário! O consumo regular é muito importante à saúde, devido ao teor de macro e micronutrientes que eles nos oferecem. Ainda são hortaliças não muito conhecidas, mas vamos conscientizar as pessoas e melhorar a qualidade de vida de cada um, além de gerar um consumo e produção sustentável.