Portal colaborativo para profissionais, empresas, estudantes e professores da área de Segurança de Alimentos.

Potencial promissor dos miúdos cárneos para a alimentação humana

Introdução 

Segundo o relatório apresentado pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) referente ao ano de 2023, com relação a produção mundial de carne suína e de frango, o Brasil foi o quarto maior produtor de carne suína e o segundo maior produtor de carne de frango (ABPA, 2024). Já em relação ao mercado de carne bovina, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC, 2024), o país ocupa a segunda posição de maior produtor e maior exportador de carne bovina do mundo, contando com 38% do total das exportações da pecuária brasileira, seguida da carne de frango com 34% e carne suína com 10,5%.  

Com o abate, são obtidos os cortes cárneos e os subprodutos, que podem ser comestíveis e não comestíveis. Os subprodutos comestíveis, também denominados “miúdos”, referem-se aos órgãos e partes do animal abatido que são considerados aptos para o consumo humano, previamente inspecionados. Nos ruminantes, considera-se como miúdos: encéfalo, língua, coração, fígado, rins, rúmen, retículo, omaso, rabo e mocotó; nos suínos: língua, fígado, coração, encéfalo, estômago, rins, pés, orelhas, máscara e rabo; e nas aves, fígado, coração e moela (Brasil, 2017). Já os subprodutos não comestíveis correspondem àqueles órgãos ou partes que não são propícias ao consumo humano, como cascos e chifres. 

Como o país é um grande produtor de carnes, o volume de miúdos (subprodutos) gerados é elevado, no entanto, esse mercado ainda é pouco explorado pela indústria e, consequentemente, pelos consumidores brasileiros. Os miúdos apresentam baixo custo, mas um considerável valor nutricional, podendo ser utilizados como alimento, ou até mesmo como ingredientes para enriquecer formulações de produtos processados (Gonçalves; De Lima, 2022). 

Entretanto, o baixo consumo desses produtos gera desperdício em toda a cadeia produtiva, uma vez que esses alimentos poderiam contribuir positivamente na alimentação humana. Dessa forma, informar os consumidores sobre os benefícios nutricionais dos miúdos e vísceras pode auxiliar a quebrar barreiras culturais (Sabbagh et al., 2023) e promover um consumo mais saudável e sustentável. 

De acordo com Lynch et al. (2018) e Gonçalves e Lima (2022), o baixo consumo e aceitação dos miúdos pelos consumidores está relacionado à práticas e tradições culturais, restrições éticas e, até mesmo, religiosas, e à percepção dos indivíduos sobre essas partes e sua compreensão relacionada ao que constitui carne de alta qualidade. Por outro lado, esses subprodutos apresentam diferentes destinações, sendo bastante utilizados para elaboração de ração animal, além de aplicações em indústrias farmacêuticas e biomédicas, com pesquisas do seu potencial como promotores de crescimento de plantas, entre outros (Lynch et al., 2018). 

Aspectos nutricionais dos miúdos 

A carne é um alimento de elevado valor nutricional, fonte de ferro e de proteínas de alto valor biológico, sendo muito apreciada pelo seu sabor característico. Obtida por meio do abate de animais, a carne é composta majoritariamente por água (65 – 80%), proteínas (16 – 22%) e gordura (1,5 – 13%), conforme Lawrie (2005).  

Os miúdos cárneos são uma fonte promissora de macronutrientes e compostos funcionais, destacando-se as proteínas de alta qualidade, além de micronutrientes essenciais como as vitaminas do complexo B, vitamina A e formas de ferro e zinco altamente biodisponíveis (Latoch; Stasiak; Siczek, 2024). A quantidade média de proteína presente nos miúdos, independentemente de sua origem, pode chegar até aproximadamente 26% (Biel; Czerniawska-Piątkowska; Kowalczyk, 2019), sendo, no geral, muito semelhante ao da carne. Eles são ricos em aminoácidos essenciais e não essenciais e, alguns órgãos, como fígado, rim, coração e baço, são abundantes em alguns compostos nutricionais, podendo ter mais do que na própria carne (Mullen; Álvarez, 2016). 

A Tabela 1 apresenta a composição nutricional de alguns miúdos cárneos e, quando comparados estes valores para bovinos, suínos e aves, pode-se observar que o fígado nas três espécies é o que apresenta valores altos de proteínas, seguido do coração. Já o intestino grosso dos suínos possui menor teor de proteínas e maior concentração de gordura. 

O ferro é um mineral que chama atenção em miúdos, sendo o fígado aquele que contém maior concentração. Fígados de suínos, bovinos e aves, respectivamente, são os que possuem maiores valores de ferro. O coração bovino também apresenta quantidades consideráveis deste mineral. A concentração de ferro nos miúdos desses animais, pode variar de acordo com a alimentação e sua espécie. 

Entre os subprodutos comestíveis consumidos, o fígado é bastante comum na alimentação e é uma excelente fonte de vitamina B12, ferro, aminoácidos essenciais e ácido linolênico (Gonçalves; Lima, 2022). Porém, muitos consumidores desconhecem a importância do consumo de fígado bovino para a saúde, sendo baixo o volume de consumo e a frequência nas refeições ainda menor, apesar de ser o miúdo bovino mais consumido (Barrozo et al., 2024).  

Outro miúdo muito consumido pelos brasileiros é o coração de galinha, sendo muitas vezes apreciado em churrascos na forma de espetinho. Este miúdo é rico em proteínas, podendo conter até 11,60g/100g, apesar de possuir um maior percentual de gordura e uma quantidade consideravelmente baixa de ferro (Tabela 1). 

A moela também é um miúdo saboroso apreciado por alguns consumidores, sendo uma fonte promissora de proteínas e baixos teores de gordura, se apresentando como uma opção de baixo custo e com elevado potencial proteico. Pode ser consumida de diversas formas, como refogada, cozida e assada (Abreu et al., 2024).

Aplicação dos miúdos no desenvolvimento de novos produtos  

O aproveitamento de miúdos comestíveis na elaboração de novos produtos é uma forma de agregar valor a essas partes, uma vez que os miúdos possuem baixa aceitação pelo consumidor no seu estado in natura.  

Santos et al. (2023) desenvolveram uma linguiça suína, tendo como ingrediente pernil, rins, fígado, coração, língua e pulmão. Os resultados apresentados revelaram que a linguiça de miúdos suínos possui características únicas, textura suculenta e coloração escura, tornando o produto diferenciado.  

O queijo de porco é um embutido obtido a partir de miúdos de porco, como o fígado, rins e coração, e com carnes menos nobres, tendo o aproveitamento dos subprodutos do abate de suínos na elaboração de um novo produto (Junior et al., 2015). Os autores destacaram a agregação de valor da formulação, utilizando subprodutos comestíveis no aprimoramento e desenvolvimento de produtos alimentícios voltados para o consumo humano, tornando-se uma prática crescente, visando agregar valor a esses itens. Essa abordagem gera uma fonte adicional de receita para a indústria de transformação e, ao mesmo tempo, elimina os custos relacionados à destinação desses subprodutos. 

Esses trabalhos mostram o potencial dos miúdos cárneos para elaboração e desenvolvimento de novos produtos, evidenciando sua utilização pela indústria alimentícia.  

Considerações finais 

O Brasil é um grande produtor e consumidor de carnes, sendo a carne de aves, a mais produzida, seguida pela carne suína e bovina. A carne de aves, principalmente a de frango, é a mais consumida pela população devido ao seu baixo custo de aquisição quando comparada com as demais. Entretanto, durante o processo de abate, de forma geral, ocorre a produção de grandes volumes de subprodutos cárneos, que muitas vezes não são reconhecidos por muitos consumidores. 

Apesar do desafio para adicionar os miúdos às refeições dos consumidores, pode-se considerar que os mesmos são promissores, pois são ricos em proteínas de alta qualidade, além de possuírem quantidades consideráveis de ferro. Dessa forma, propor alternativas que promovam o aumento do consumo de miúdos é de grande importância, pois estes apresentam elevado valor nutricional e são mais acessíveis economicamente que a carne.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, P. G. de.; COLDEBELLA, A.; SCHMIDT, G. S.; AVILA, V. S. de. Desempenho produtivo e características da moela de frangos de corte criados em diferentes materiais de cama. Documentos 251, Embrapa Suínos e Aves, Concórdia, 2024. 15p.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL, ABPA. Relatório anual 2024. São Paulo, 2023, 77p. Disponível em: https://abpa-br.org/abpa-relatorio-anual/. Acesso em: 26 out. 2024.  

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS EXPORTADORAS DE CARNES, ABIEC. Perfil da pecuária no Brasil. 2024. 106p. Disponível em: https://www.abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2024-perfil-da-pecuaria-no-brasil/. Acesso em: 17 out. 2024.  

BARROZO, L. S.; ANDRADE, F. A. C.; JÚNIOR, A. A. P.; CARDOSO, C. E. de. F.; FERNANDES, T. D. Análise de consumo e conhecimento sobre alimentos de origem animal entre consumidores brasileiros com ênfase no fígado bovino e seus benefícios. Revista de Medicina Veterinária do Unifeso, v.4, n.1, p. 50-57, 2024. 

BIEL, W.; CZERNIAWSKA-PIĄTKOWSKA, E.; KOWALCZYK, A. Offal Chemical Composition from Veal, Beef, and Lamb Maintained in Organic Production Systems. Animals, v.9, n.8, p. 1-10, 2019. 

BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Decreto N° 9.013, de 29 de Março de 2017. Regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2017.

  • GOMIDE, L. A. de. M.; RAMOS, E. M.; FONTES, P. R. Ciência e Qualidade da Carne: Fundamentos. Viçosa: Editora UFV, 2013. 197p. 
  • GONÇALVES, H. G.; LIMA, M. de. Valorização de Coprodutos da Indústria da Carne: Uma Revisão. In: SIMPÓSIO ONLINE SULAMERICANO DE TECNOLOGIA, ENGENHARIA E CIÊNCIA DE ALIMENTOS, 1., 2022, Diamantina, MG.  Anais […]. Diamantina, 14 a 18 de fevereiro, 2022. Online.
  • JUNIOR, J. C. da. S.; TONIAL, I. B.; PEDRÃO, M. R.; MACHADO-LUNKES, A. Queijo de porco como aproveitamento de subprodutos do abate de suínos: Uma revisão. Scientia Agraria Paranaensis, v. 14, n. 3, p. 141-147, 2015. 
  • LATOCH, A.; STASIAK, D. M.; SICZEK, P. Edible Offal as a Valuable Source of Nutrients in the Diet – A Review. Nutrients, v.16, p. 1609, 2024.  
  • LAWRIE, R. A. Ciência da carne. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. 338p. 
  • LYNCH, S. A.; MULLEN, A.M.; O’NEILL, E.; DRUMMOND, L.; ÁLVAREZ, C. Opportunities and perspectives for utilisation of co-products in the meat industry. Meat Science, v. 144, p. 62-73, 2018.   
  • MULLEN, A. M.; ÁLVAREZ, C. Offal: Types and Composition. Encyclopedia of Food and Health, v. 5, p. 152-157, 2016.  
  • SABBAGH, M.; GUTIERREZ, L.; LAI, R.; NOCELLA, G. Consumer Intention towards Buying Edible Beef Offal and the Relevance of Food Neophobia. Foods, v. 12, p. 1-15, 2023. 
  • SANTOS, A. T. dos.; ALMEIDA, B. L. de.; RODRIGUES, E.; ARAUJO, G.; SILVA, G. L. Linguiça dugana ou morcela branca. 2023. Trabalho de Conclusão de Curso (Técnico em Agroindústria) – Etec Padre José Nunes Dias, Monte Aprazível, 2023. 
  • SEONG, P. N.; PARK, K. M.; CHO, S. H.; KANG, S. M.; KANG, G. H.; PARK, B. Y.; MOON, S. S.; BA, H. V. Characterization of Edible Pork By-products by Means of Yield and Nutritional Composition. Korean Journal for Food Science of Animal Resources, v.34, n.3, 2014. 
  • TACO – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. Universidade Estadual de Campinas. 4. ed. Campinas: UNICAMP, 2011. 161 p. 
  • TBCA – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. Universidade de São Paulo. Food Research Center. Versão 7.2. São Paulo, 2023. Disponível em: http://www.fcf.usp.br/tbca. Acesso em: 22 dez. 2024.
Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia mais