A exportação de cachaça cresceu 30% em 2021, segundo dados do governo federal compilados pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac). A bebida é a segunda mais consumida no Brasil entre aquelas que possuem álcool — atrás apenas da cerveja — e o terceiro destilado produzido localmente mais consumido no mundo, perdendo apenas para a Vodca na Rússia e o Soju, da Coreia do Sul. Entre os principais estados exportadores, em termos de valor, São Paulo e Pernambuco lideram o ranking de 2021, com o total de US$ 6,09 milhões e US$ 1,84 milhão exportados, respectivamente. Na 3ª, 4ª e 5ª posição estão o Rio de Janeiro (US$ 1,30 milhões), Paraná (US$ 1,23 milhões) e Minas Gerais (US$ 1 milhão) (MEDEIROS, 2022).
Há um aumento na produção de aguardente no país e, pelo fato de sua produção ser, em grande parte, artesanal, surgem algumas limitações no âmbito das exportações (LIMA et al., 2009). A cachaça nada mais é do que uma bebida fermento-destilada que apresenta graduação alcoólica entre 38 e 48% v/v, obtida por meio da destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares (BRASIL, 2022). A matéria-prima para a indústria de aguardente ou de cachaça é caracterizada como colmos de cana-de-açúcar em adequado estágio de maturação. A composição química da cana é muito variável, em função das condições climáticas, das propriedades físicas, químicas e microbiológicas do solo, do tipo de cultivo, da variedade, do estágio de maturação e da idade da planta (ALCARDE, 2014).
Para o desenvolvimento do processo fermentativo, os melhores resultados são obtidos com mostos com concentrações entre 14-16 °Brix. A atividade da levedura depende de suas condições vitais que, por sua vez, estão estreitamente correlacionadas com sua nutrição. Tanto o caldo de cana como a própria levedura são fontes de vitaminas. Entretanto, a adição de certas vitaminas ao caldo propicia aceleração da ação enzimática do microrganismo, interferindo na pureza e velocidade da fermentação (ANGELIS, 1992).
De acordo com Aravéchia (2013), a fermentação alcoólica ocorre em consequência da necessidade de energia para a sobrevivência das células de levedura, pois essas consomem a matéria orgânica para obter a energia, assim fermentando na presença ou ausência de oxigênio. “As leveduras mais utilizadas no processo fermentativo são do gênero das Sacharomyces, tendo como a mais utilizada a Saccharomyces cerevisiae” (ARAVÉCHIA, 2013). Na fermentação do caldo da cana-de-açúcar ocorre a transformação da sacarose em etanol, catalisada por enzimas produzidas por leveduras que promovem a lise da molécula de sacarose em glicose e frutose e posterior transformação em etanol e gás carbônico (CRISPIM; CONTESSI; VIEIRA, 2000; LIMA,1975).
No seu metabolismo, a S. cerevisiae necessita de macro e nutrientes para seu crescimento e consequente produção de etanol. Alguns destes nutrientes são encontrados no mosto, mas existem estudos que sugerem a adição dos mesmos para que atinjam a concentração ideal. Entretanto, a adição em quantidades excessivas pode ser prejudicial à levedura por causar estresse osmótico (AQUARONE et al., 2001; VENTURINI FILHO; NOGUEIRA, 2013). Um destes nutrientes é o nitrogênio amoniacal, sendo que em sua ausência o crescimento da levedura é prejudicado e a mesma irá metabolizar outros compostos, como os aminoácidos, podendo causar aumento na produção de substâncias, como álcoois superiores. O fósforo, na forma de fosfato (PO4-3), também é de extrema importância para que ocorra a formação de etanol durante a fermentação. Vitaminas do complexo B, como vitaminas B1, B6 e ácido pantotênico, também são importantes para o metabolismo das leveduras. Alguns íons metálicos são importantes como nutrientes, pois participam como cofatores em enzimas responsáveis pelo crescimento da levedura e atividade fermentativa (LIMA et al., 2001). Entre os íons metálicos, o Zn2+, Cu2+ e Mn2+ são interessantes devido ao efeito positivo na atividade respiratória e na taxa de crescimento da levedura S. cerevisiae (STEHLIK-TOMAS et al., 2004).
A adição de fubá ao mosto, bastante usada por produtores (LOPES, 2007), também tem sido estudada, sendo encontrados benefícios ao processo fermentativo, como auxílio na decantação das células ao final da fermentação (MUTTON; MUTTON, 2005), e adsorção pelo amido de metabólitos secundários da própria fermentação alcoólica, cuja presença no mosto afeta a via glicolítica (MAIA, 1992). Já Cleto (1997) não percebeu alterações significativas na viabilidade celular, entretanto observou um menor teor de acidez no mosto suplementado com fubá, resultando em uma cachaça com menor acidez total. A adição de nutrientes tem sido relatada em diferentes trabalhos, entretanto as quantidades sugeridas para se obter os melhores benefícios apresentam variações em diferentes estudos (SANTOS, 2008; MALTA, 2006; STUPIELLO; HORII, 1981; HONIG, 1969; DELGADO; CÉSAR, 1984).
De acordo com o estudo desenvolvido por Oliveira (2016), sobre a avaliação da qualidade físico-química e sensorial da cachaça orgânica envelhecida, a variação da composição mineral da cachaça pode estar relacionada ao material de construção do alambique utilizado na destilação. Os resultados médios obtidos para as concentrações de teores médios de nutrientes nas amostras de cachaça (mg.L-1), foram coletados nos períodos de 0, 15, 30, 60, 90 e 180 dias de armazenamento. No período de 90 dias de armazenamento da cachaça, o teor médio de fósforo se apresentou como o maior valor porcentual na ordem de 25mg.L-1. No início do armazenamento (tempo zero) os valores foram baixos da ordem de 0 a 0,5 mg.L-1. A seguir observou-se que aos 15, 30, 60 e 180 dias apresentaram valores de 6,14 a 13,39 mg.L-1, assim, tendo valores médios de fósforo aproximados nestes períodos de armazenamento.
Dentre os fatores que podem alterar este parâmetro destacam-se o conteúdo de SO2 no mosto fermentado, o solo onde a cana é plantada, a água utilizada no processo, além de eventuais contaminações durante o engarrafamento e o envelhecimento/armazenamento (CARDOSO, 2013). No período de armazenamento ocorrem diversas reações químicas associadas ao processo de envelhecimento de bebidas destiladas, dentre elas as reações entre os compostos secundários provenientes da destilação (álcoois, hidrocarbonetos carbonilados superiores, etc.); da extração direta de componentes da madeira (extrativos); da decomposição de macromoléculas da madeira (celulose, hemicelulose e lignina) e a subsequente incorporação desses compostos na bebida. De acordo com Piggot et al. (1989) e Dias (1997) há também reações entre esses compostos da madeira com os componentes originais do destilado.
Tendo em vista a preocupação com o aumento do consumo e das exportações de cachaça, produtores estão em busca de melhorar os seus produtos de forma contínua, a fim de suprir e superar as necessidades do mercado consumidor. De acordo com algumas pesquisas recentes, buscando sintetizar informações a respeito do processo fermentativo da produção de cachaça, foi relatado que a qualidade do produto final depende do sucesso em todas as etapas de produção, desde a escolha da variedade da cana-de-açúcar até o envelhecimento da cachaça. A fase fermentativa merece atenção especial, pois é nesse momento que ocorre a formação de compostos secundários que afetam diretamente a qualidade do produto final. Além disso, todas as etapas devem ser realizadas com o máximo de padronização para que não haja efeitos indesejáveis ao ambiente, buscando continuamente a produção sustentável.
Referências:
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- ALCARDE, A. R. Cachaça: ciência, tecnologia e arte. São Paulo: Blucher, 2014.
- ANGELIS, D. F. Agentes físicos, químicos e microbiológicos que afetam a fermentação etanólica. In: MUTTON, M. J. R.; MUTTON, M. A. Aguardente de cana: produção e qualidade. Jaboticabal: Funep, 1992. cap. 5, p. 49 – 65.
- AQUARONE, E.; BORZANI, W.; SCHMIDELL, W.; LIMA, U. A. Biotecnologia Industrial: Biotecnologia na Produção de Alimentos. São Paulo – SP: Edgard Blucher, 2001, V4.
- ARAVÉCHIA P. R. Estudo da Influência da Pureza do Xarope e Mel Final Resultante de Produção de Açúcar na Contaminação do Processo Fermentativo e Seletividade do Meio. IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Campus Matão, 2013.
- BRASIL. Portaria nº 539 de 26 de dezembro de 2022. Estabelece os padrões de identidade e qualidade da aguardente de cana e cachaça. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 dez. 2022.
- CARDOSO, M. G. Produção de Aguardente de Cana. 3ª Edição, Lavras: UFLA, 2013.
- CLETO, F. V. G. Influência da adição de ácido sulfúrico e fubá de milho no processo fermentativo, rendimento e composição da aguardente de cana. 109 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal-SP, 1997.
- CRISPIM, J. E.; CONTESSI, A. Z.; VIEIRA, S. A. Manual da Produção de Aguardente de Qualidade. Guaíba-RS: Livraria e Editora Agropecuária, 2000.
- DELGADO, A. A.; CESAR, M. A. A. Determinação de fosfatos em caldo e mosto de cana-de-açúcar, STAB – Açúcar e Álcool e Subprodutos, v.2, n.4, p. 42–45, 1984.
- DIAS, S. M. B. C. Efeito de diferentes tipos de madeira sobre a composição química da aguardente de cana envelhecida. 1997. 109f. Dissertação (Mestrado em Ciência de Alimentos) – Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 1997.
- HONIG, P. Princípios de tecnologia azucarera. México: Continental, 1969, V1.
- LIMA, A. J. B. et al. Efeito de substâncias empregadas para remoção de cobre sobre o teor de compostos secundários da cachaça. Química Nova, São Paulo, v. 32, n. 4, p. 845-848, 2009.
- LIMA, U. A. et al. Biotecnologia Industrial: Processos Fermentativos e Enzimáticos. São Paulo -SP: Edgard Blucher, 2001, V3.
- LIMA, U. A. Tecnologia das fermentações. São Paulo – SP: Edgard Blucher, 1975. V1.
- LOPES, R. L. T. Dossiê Técnico, Processamento de Cachaça de Alambique, Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais, CETEC, 2007. Disponível em: <http://www.respostatecnica.org.br/dossie-tecnico/downloadsDT/MTc4>. Acesso em: 03 fev. 2022.
- MAIA, A. B. R. A. Fermentação alcoólica de Saccharomyces cerevisiae: desenvolvimento de um novo sistema e novas concepções sobre a formulação de meios.210 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, 1992.
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- MEDEIROS, I. Em ritmo de retomada, exportação de cachaça cresce 30% em 2021. Correio Braziliense, 2022. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/01/4975990-em-ritmo-de-retomada-exportacao-de-cachaca-cresce-30-em-2021.html>. Acesso em: 02 fev. 2022.
- MUTTON, M. J. R.; MUTTON, M. A. Aguardente. In: VENTURINI FILHO, W. G. (Org.). Bebidas alcoólicas. São Paulo – SP: Edgard Blucher, 2005, p. 485-524.
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- VENTURINI FILHO, W. G.; NOGUEIRA, A. M. P. Aguardentes e Cachaça, Botucatu, 2013. Disponível em:<http://www.fca.unesp.br/Home/Instituicao/Departamentos/Horticultura/aguardentes-e-cachaca-2013.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2022.