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Qualidade microbiológica da carne bovina comercializada em açougues

INTRODUÇÃO

Estabelecida como a musculatura dos animais usada como alimento e com notável fonte de nutrientes — proteínas, aminoácidos essenciais, ferro, vitaminas e outros — para alimentação humana, a carne vem expandindo seu consumo desde a década de 1980 (LAWRIE, 2005; GONZÁLEZ et al., 2020). Em 2020 o consumo nacional de carnes suínas, bovinas e de aves atingiu valores de 16 kg/hab, 35,69 kg/hab e 45,27 kg/hab, respectivamente (ABIEC, 2021; ABPA, 2021).

Por ser fonte de nutrientes de alto valor biológico, entretanto, a carne proporciona um meio favorável ao crescimento microbiano, sendo desafiador assegurar sua qualidade e, consequentemente, a segurança para o consumidor (DAS et al, 2019). Práticas de higiene inadequadas expõem a carne a contaminações por bactérias patogênicas como: Salmonella, Campylobacter spp., E. coli produtora de toxina Shiga STEC, Listeria monocytogenes, entre outras. Estas contaminações podem ocorrer nas diferentes fases, desde o abate do animal, preparo da carcaça, subdivisão da carcaça em cortes primários e secundários, até o manuseio em pontos de vendas no varejo e mercados de carne e açougues (MENDONÇA; THOMASPOPO; GORDON, 2020).

A contaminação de carnes adquiridas em açougues vem sendo objeto de estudo de um notável número de trabalhos científicos no Brasil (RODRIGUES et al., 2017; LAGO; SILVA; VIEIRA, 2019; FREIRE; MENDES; SHECAIRA, 2020; VIDAL JUNIOR et al., 2020; SOARES et al., 2021).  A preocupação e as exigências dos consumidores também vêm se intensificando (TONDO; BARTZ, 2019), pois o aumento na taxa de letalidade dos surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil de 2016 a 2018 (BRASIL, 2019), o acesso às informações e o entendimento que o cliente tem direito ao consumo de alimentos seguros está contribuindo para isso. Desta forma, é necessário adoção, desenvolvimento e implantação de um sistema de gestão de qualidade por meio de programas de pré-requisitos, como as Boas Práticas de Higiene (BPH) e as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Outra ferramenta para auxiliar na qualidade do produto é a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle que, apesar de não ser exigida pela Legislação Brasileira, é extremamente importante para garantir a qualidade higiênico-sanitária das carnes comercializadas (DE BOECK et al., 2020).

QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DA CARNE BOVINA

As amostras avaliadas nos artigos selecionados foram de carne moída, pedaços de carne ou ambos. O microrganismo mais frequentemente avaliado foi Salmonella spp., seguido por E. coli, microrganismos aeróbios mesófilos, E. coli O157:H7 e não-O157 STEC.

O Quadro 1 mostra os resultados das análises microbiológicas de carne moída e pedaços de carne avaliados nos estudos.

Quadro 1 – Resultados das análises microbiológicas de carne moída e pedaços de carne avaliados nos estudos.

Em uma avaliação de estabelecimentos varejistas na cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul (RS), Soares et al. (2021) coletaram 63 amostras de carne moída de 18 estabelecimentos (7 açougues, 7 supermercados e 4 mercearias).  Foram avaliadas a presença de aeróbios mesófilos, enterobactérias, Salmonella spp. e Listeria monocytogenes. As amostras apresentaram contagens médias de aeróbios mesófilos (4,99 ± 1,24 log UFC/g) e foi detectado uma contagem média de 3,85 ± 1,28 log UFC/g de enterobactérias nas amostras, onde as contagens foram maiores em açougues. Salmonella spp. foi detectada em 7,93% das amostras e Listeria monocytogenes foi relatada em 11,11% das amostras.

Vidal Junior et al. (2020), em um estudo exploratório na cidade de Santo Antônio de Jesus (BA) coletaram 34 amostras de carne bovina (músculo semimembranoso) em 17 estabelecimentos, sendo 12 pequenos açougues e 5 pequenos supermercados. As amostras foram avaliadas quanto à presença de coliformes totais, Escherichia coli e Salmonella spp. O grupo Coliformes totais foi identificado em 100% das amostras, apresentando uma contagem média de 4,9 log UFC/g. Quanto à E. coli observou prevalência em 40% das amostras com uma contagem média de 4,3 log UFC/g, indicando a presença potencial de cepas patogênicas. Salmonella spp. foi identificada em duas amostras (5,88%) coletadas de pequenos açougues.

Os estudos que avaliaram a qualidade microbiológica das carnes apontaram irregularidades nos resultados, tanto para microrganismos indicadores, quanto para patógenos. Levando em consideração a Legislação Brasileira (BRASIL, 2022) os resultados para aeróbios mesófilos de todos os estudos atenderam aos padrões estabelecidos, que é de 1,0 x 106 UFC/g. Já os estudos que avaliaram a presença de Salmonella, apresentaram irregularidades, pois o parâmetro é a ausência do patógeno (BRASIL, 2022). Os trabalhos apresentaram porcentagens positivas para Salmonella, desde 3% até em 71% das amostras avaliadas. Mesmo em estudos com baixa ocorrência de Salmonella (3% e 4%) pode ser caracterizado como um risco significativo para a saúde do consumidor (RUIZ et al., 2021; KORE et al., 2017). Para enterobactérias não existe um padrão estabelecido, porém sua presença reforça a importância de avaliar as condições higiênico-sanitárias desses locais (SOARES et al., 2021).

Das 63 amostras de carne moída coletadas por Soares et al. (2021), 44,44% não atenderam aos parâmetros microbiológicos recomendados pela regulamentação brasileira (BRASIL, 2022). 

A alta prevalência de patógenos observada nos estudos parece ser consequência do descumprimento das BPF, inexistência de sistemas de gestão da segurança dos alimentos nos estabelecimentos e falhas da fiscalização sanitária. Falhas nas condições de armazenamento, ineficiência das técnicas de limpeza, abuso de temperaturas e não cumprimento de requisitos de higiene podem influenciar diretamente na qualidade da carne e comprometer a saúde dos consumidores (SOARES et al., 2021; VIDAL JUNIOR et al., 2020; BARRIL et al., 2019; MARTÍNEZ-CHÁVEZ et al. 2015).

Barril et al. (2019) apontam a importância de se dar mais atenção às BPF e Sabala et al. (2021) corroboram tal afirmativa apontando que medidas higiênicas rigorosas devem ser implementadas para controlar a disseminação de bactérias, que todos os setores de alimentos devem seguir sistemas de controle de qualidade e devem passar por avaliações periódicas. Garedew et al. (2016) relataram uma alta prevalência de Shigella em seu estudo, e sugere que tal resultado pode ser explicado pelo mau estado de higiene e manuseio inapropriado de equipamentos nos açougues. Isto sinaliza novamente como alerta para a eventual ocorrência de DTA e iminentes surtos de origem alimentar. 

Contudo, além dos pontos críticos dentro dos pontos de vendas, o cuidado começa na escolha do fornecedor da carne, pois Sabala et al. (2021) e Garedew et al. (2016) relataram em seus estudos a presença de microrganismos multirresistentes e virulentos, que pode ser explicada pelo uso irrestrito de antibióticos nos animais.

Leotta et al. (2016) puderam demonstrar em seu estudo que a qualidade microbiológica da carne pode ser melhorada com a implementação de ações sistemáticas de monitoramento e melhoria, treinamento de trabalho e conscientização dos manipuladores de alimentos. Da mesma forma, Londero et al. (2019) ressaltam que um dos motivos para obter melhoria na qualidade microbiológica das carnes pode ter sido a substituição de tábuas de madeira por teflon e a aplicação de procedimentos operacionais padrão de sanitização.

Possivelmente, uma das maneiras de atingir melhores resultados microbiológicos da carne seria uma melhoria da vigilância pelos órgãos regulatórios, principalmente por meio da realização de programas para melhorar as Boas Práticas para garantir o controle higiênico-sanitário nos locais de venda e assim fornecer carne de qualidade e reduzir a exposição ao risco do consumidor (VIDAL JUNIOR et al., 2020; SOARES et al., 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos demonstraram irregularidades quanto à qualidade microbiológica das amostras de carne. Alguns estudos evidenciaram a correlação entre condições higiênico-sanitárias precárias dos estabelecimentos e qualidade microbiológica da carne insatisfatória. E. coli, Salmonella e Listeria monocytogenes foram os microrganismos com maiores frequências em amostras de carne bovina. A escolha do fornecedor pode ser um fator importante tendo em vista o uso de antibióticos irrestrito e as condições de abate. Em suma, os autores reforçam a importância da implementação das BPF, de um sistema de gestão da qualidade e uma maior inspeção pelas autoridades competentes visando a melhoria da qualidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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