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Aproveitamento de Frutos do Cerrado no Desenvolvimento de Bebidas Lácteas Fermentadas

Além da composição nutricional, novos sabores podem estimular a curiosidade do consumidor.

O Cerrado está localizado na porção central do Brasil, ocupando área de aproximadamente 205 milhões de hectares, distribuídos continuamente em 11 estados brasileiros (RIBEIRO & WALTER, 2008). É considerado um dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade e em grupos taxonômicos que se desenvolvem restritamente neste espaço, o Cerrado é considerado fonte de renda, história, alimentos e vida para milhões de pessoas no meio rural e urbano (DINIZ et al., 2014). É o segundo maior bioma da América do Sul, caracterizado por formações florestais, savânicas e campestres, e tem a maior biodiversidade e heterogeneidade de paisagens entre as savanas do mundo, com diversas espécies de plantas nativas catalogadas (SILVA et al., 2006).

O Cerrado tem grande diversidade de espécies frutíferas com frutos comestíveis utilizados pela população há muito tempo, sendo os frutos comercializados em feiras, com grande aceitação popular (BARBOSA, 1996). Esses frutos apresentam sabores sui generis e elevado teor de açúcares, proteínas, vitaminas e sais minerais, podem ser consumidos in natura ou na forma de sucos, licores, sorvetes e geleias (ÁVIDOS & FERREIRA, 2000).

A proteção que os frutos do serrado oferecem contra enfermidades degenerativas, como câncer, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, está associada ao elevado conteúdo de constituintes químicos com propriedades importantes, como antioxidantes (vitaminas C, E, carotenoides e polifenóis) (HINNEBURG et al., 2006).

O Brasil tem considerável área de mata nativa com grande variedade de espécies frutíferas ainda pouco estudadas, com potencial de aproveitamento pouco explorado, com falta de estudos que permitam a implantação de pomares comerciais (KOHAMA et al., 2006).

Melo et al. (2008) verificaram que o consumo de frutos se dá principalmente em razão das propriedades funcionais, atribuídas à presença de substâncias bioativas, que, mesmo em pequenas quantidades, apresentam efeitos fisiológicos adicionais, pela ação antioxidante.

Derivados lácteos com sabores diferentes podem alcançar novos mercados (OLIVEIRA, 2007). Além da composição nutricional, novos sabores podem estimular a curiosidade do consumidor, podendo ser a chave para o desenvolvimento de um produto com sucesso de mercado.

Muitos frutos do Cerrado fazem parte da alimentação humana, porém, muitas espécies, com potencial nutricional, econômico e agroindustrial, necessitam ser pesquisadas para ingressar definitivamente no cardápio alimentar e no mercado formal de frutos (RODRIGUES, 2005).

Segundo Arruda et al. (2008), no Cerrado, podem ser identificadas 22 ecorregiões, que são utilizadas como referência para planejamento ambiental regional. Ecorregiões são denominadas o conjunto de comunidades naturais que se distinguem geograficamente, mas compartilham a maioria das espécies, com condições ambientais similares de fauna e flora (DINERSTEIN et al., 1995).

Diferentes espécies de frutos do Cerrado ainda não estão inseridas no contexto do agronegócio brasileiro por desconhecimento científico ou falta de incentivos para comercialização, podendo ter seus mercados locais ou regionais consolidados com consequente ampliação nacional e internacional (RODRIGUES, 2005).

Tais espécies são alvos potenciais para a agroindústria, que valoriza o caráter exótico dos frutos, além da presença de compostos capazes de prevenir doenças e impulsionar mercados econômicos (ALVES et al., 2008).

Segundo Shahidi (1996) em populações com ingestão alta de frutos ocorre redução na incidência de doenças crônicas e degenerativas, sendo os compostos antioxidantes e fenólicos presentes nos frutos os principais componentes que contribuem para essa redução.

Pesquisas referentes a antioxidantes naturais têm aumentado muito nos últimos anos. Os compostos que apresentam atividade antioxidante incluem a classe de fenóis, ácidos fenólicos e derivados, flavonoides, tocoferóis, fosfolipídios, aminoácidos, ácido fítico, ácido ascórbico, pigmentos e esteróis (XING & WHITE, 1996).

Os frutos do Cerrado, além de constituírem fonte de compostos com propriedades funcionais benéficas à saúde, podem estimular o comércio pelo uso na indústria farmacêutica e de alimentos para o desenvolvimento de novos produtos, promovendo o desenvolvimento sustentável do Cerrado (SIQUEIRA et al., 2013).

A busca por padrões de eficiência técnica e econômica na produção dos frutos do Cerrado é uma necessidade, podendo essa eficiência assegurar tanto o aumento de renda de muitas famílias, quanto o desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas nessa atividade, protegendo o Cerrado e os recursos naturais. O acompanhamento da produção dos frutos, demanda e exigências do consumidor deve ser sistemático (CÂNDIDO & REZENDE, 2008).

É essencial que toda a cadeia produtiva se organize especialmente na adoção de práticas recomendadas de produção de mudas, manejo da cultura, colheita, pós-colheita, transporte e distribuição, contribuindo para padrões de qualidade, identidade e competitividade desses frutos, e ações nesse sentido só poderão ser tomadas a partir do momento em que todo o funcionamento da cadeia agroindustrial estiver bem conhecido (REZENDE & MALAFAIA, 2012).

As características químicas e valor nutricional dos frutos do Cerrado são ferramentas básicas para avaliação do consumo e formulação de novos produtos (SILVA et al., 2008).

A árvore do araticum mede cerca de 4 m a 8 m de altura, com tronco geralmente tortuoso de 20 cm a 30 cm de diâmetro, revestido por casca áspera e corticosa, as folhas são alternadas simples com flores axilares, pétalas engrossadas e carnosas (LORENZI, 2002). O fruto do araticum mede aproximadamente 15 cm de diâmetro e pesa 2 kg, com formato oval arredondado, externamente marrom claro com polpa creme amarelada firme, sementes numerosas, elípticas e marrom escuras (ALMEIDA et al., 1998).

FIGURA 1 – Fruto do araticum. Fonte: Arquivo Pessoal.

Os frutos do araticum, também conhecidos como marolo, pinha do Cerrado, panã, araticum panã, araticum do Cerrado, cabeça-de-pinha, araticum liso, araticum cortiça (RIBEIRO et al., 2000), pertencem à família das Annonaceae e são coletados entre fevereiro e março (MENDONÇA et al., 1988).

A gabiroba apresenta elevado rendimento quando comparada a outros frutos como manga (56,88%) e bacuri (11,82%), potencializando a utilização como matéria-prima para processamento de diversos alimentos (SILVA et al., 2009).

O murici tem quantidade semelhante de fibras encontradas em outros frutos como coco (4,1%), tomate (4%), graviola (4,31%) e goiaba-vermelha (4,95%), enquanto valores reduzidos foram verificados em acerola (2,49%), maçã (2,00%) e banana-nanica (1,50%) (CHITARRA & CHITARRA, 2005).

Segundo Lorenzi (2002) existem outras nomenclaturas que fazem referência ao pequi, como piqui, piquiá, pequiá, grão-pequiá, piquiá-bravo, pequiá-verdadeiro, pequiá-vermelho, amêndoa-de-espinho, grão de cavalo, pequerim e suari.

FIGURA 2 – Fruto do Pequi. Fonte: Arquivo Pessoal.

O pequizeiro pertencente à família Caryocaraceae, gênero Caryocar, espécie Cayocar brasiliense (APG, 2009). Sobre a origem da nomenclatura do pequi, tem-se Caryocar: do grego caryon = núcleo ou noz + kara = cabeça, em referência ao fruto globoso. Pequi: do tupi, py: pele + qui = espinho, em referência aos espinhos no caroço (SILVA JÚNIOR et al., 2005).

A utilização de soro de leite na elaboração de novos produtos alimentícios é uma forma racional de aproveitamento desse resíduo, que apresenta excelente valor nutritivo (ALMEIDA et al., 2001). O uso como matéria-prima na indústria alimentícia vem sendo estudada por diversos autores, e cada vez mais tem-se utilizado o soro de leite na elaboração de novos produtos, seja como substituto nutritivo da água ou como ingrediente de funcionalidade reológica (TEIXEIRA et al., 2007).

O soro do leite tem alto valor nutricional e funcional, sendo considerado um excelente ingrediente para a fabricação de vários alimentos industrializados (YOSHIDA & ANTUNES, 2009).

Considerando as características nutricionais e funcionais do soro de leite, desde a década de 60, pesquisadores e indústrias vêm buscando a diversificação de produtos elaborados com base nesse resíduo (CRUZ et al., 2009).

Vários estudos têm sido conduzidos para utilizar o soro de leite como fonte econômica proteica em diferentes produtos cárneos, mas, na maioria das pesquisas, são utilizadas proteínas de leite ou do soro de leite em pó (LAGRANGE & DALLAS, 1997).

A utilização de soro de leite de queijos, associada ao processo de fermentação, com adição de frutos, tem melhorado as características de aromas e sabor das bebidas lácteas, visto a incorporação de diferentes polpas resultar no aumento da aceitabilidade (CALDEIRA et al., 2010).

Portanto, devido a vasta gama de frutos do cerrado e a necessidade de aproveitamento do soro de leite pelo alto volume gerado após o processamento de queijos, considerável valor nutricional e alto poder poluente quando descartado no leito de rios, formulações que permitam o aproveitamento deste coproduto são alternativas promissoras e ambientalmente recomendadas para as indústrias de laticínios.

 

Referências:

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