Introdução
O apelo ao consumo de hortaliças frescas, saudáveis e de elevada qualidade é cada vez maior por parte dos consumidores, uma vez que boa parte deles tem modificado seus hábitos alimentares, tornando-se conscientes da relação entre a dieta, saúde e prevenção de doenças.
As hortaliças minimamente processadas são aquelas que passaram por etapas de lavagem em água potável, sanitização, enxágue, descascamento e/ou corte, e estão prontas para consumo.
A couve (Brassicaoleracea var. acephala) destaca-se entre as hortaliças mais consumidas e, segundo Ramos (2021), sua procura vem aumentando consideravelmente no Brasil, devido à grande utilização na culinária e a sua importância nutricional.
De acordo com o Catálogo Brasileiro de Hortaliças (EMBRAPA/SEBRAE, 2010), a couve pode ser processada, picada e embalada, podendo ser consumida crua na forma minimamente processada, em saladas ou refogada. Suas folhas são grandes, arredondadas, com superfície lisa ou onduladas, bordas não recortadas, de coloração verde-clara a verde-escura, coberta por fina camada de cera, em maior ou menor quantidade em função de suas variedades. É uma hortaliça muito perecível, podendo entrar facilmente na fase de senescência pós-colheita, ou seja, fase de morte celular, em que o produto não se encontra apto para consumo (CHITARRA; CHITARRA, 2005).
Segundo Moretti (2007), as folhas de couve apresentam rápida deterioração fisiológica relacionada à perda da coloração verde, ressecamento, odor desagradável e consequente curta vida de prateleira em função do acelerado processo de senescência. Além disso, a hortaliça está susceptível a deterioração microbiológica durante o armazenamento. Um dos principais problemas que compromete a sua qualidade microbiológica durante a produção é a utilização da água de irrigação não tratada, que entra em contato com esses vegetais, e que muitas vezes é proveniente de rios, represas e lagos. Esta água pode veicular microrganismos patogênicos, que migram a partir do solo contaminado (CENCI, 2011) e sobrevivem nos produtos de origem vegetal em virtude de estes possuírem nutrientes necessários a multiplicação microbiana e, com isso, colocar em risco a saúde dos consumidores. Além da contaminação das hortaliças pela água de irrigação e solo, ela pode acontecer nas etapas pós-colheita, como transporte e más condições de higiene durante a manipulação
Portanto, como as hortaliças minimamente processadas são consumidas cruas, são mais propícias a essas contaminações. Dessa forma, faz-se importante a realização da sanitização para reduzir significativamente o número de microrganismos contaminantes, uma vez que os produtos minimamente processados não passam por nenhum tratamento térmico que assegure sua qualidade higiênico-sanitária, apesar de serem mantidos refrigerados.
Sabe-se que na preparação de hortaliças, a lavagem em água corrente reduz, significativamente, a carga microbiana dos vegetais. Porém, somente esta etapa não é suficiente para manter a contaminação em níveis seguros e aceitáveis pelos órgãos de saúde pública, sendo essencial o uso de sanitizantes que, além de eficazes, sejam também seguros do ponto de vista toxicológico.
Vários sanitizantes são utilizados pela indústria de alimentos e aqueles a base de cloro são os mais comumente usados. No entanto, estes compostos podem acarretar riscos à saúde do consumidor, por deixar resíduos tóxicos nos produtos. Assim, sanitizantes como ácido peracético e ácido acético também são usados (Quadro 1) e, além desses, o vinagre é popularmente utilizado. O ácido peracético, se destaca por não deixar resíduos tóxicos nos vegetais e o vinagre, a base de ácido acético, é muito usado a nível doméstico pelos consumidores em função do baixo custo, elevada praticidade e facilidade de utilização.
Quadro 1 – Vantagens e modo de ação de sanitizantes usados em hortaliças
Sanitizantes |
Vantagens |
Modo de ação |
Compostos clorados |
Baixo custo, ação rápida, não são afetados pela dureza da água, efetivos contra grande variedade de microrganismos. |
Promove desnaturação de enzimas celulares, comprometendo a multiplicação microbiana. |
Ácido peracético |
Ausência de toxicidade, não promove alterações sensoriais nos alimentos e é biodegradável, não apresentando risco ao ambiente. |
Promove oxidação dos componentes celulares dos microrganismos. |
Ácido acético |
Não possui efeito residual, baixo custo, viável no controle de doenças pós-colheita. |
Atua como antimicrobiano penetrando a nível celular, exercendo efeito tóxico e, como acidulante, reduzindo o pH do meio. |
Uso de hipoclorito de sódio, ácido peracético e ácido acético
A utilização de água não tratada ou tratada inadequadamente, na lavagem de hortaliças, pode resultar na ocorrência de doenças de transmissão hídrica e alimentar (DTHAs), as quais são causadas por agentes que penetram no organismo humano por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados. Esses agentes podem ser químicos, como pesticidas e metais tóxicos ou biológicos, como os microrganismos patogênicos.
A lavagem em água corrente potável pode reduzir em até 90% a carga microbiana dos vegetais (NASCIMENTO; SILVA, 2010). Porém, não é suficiente para manter a contaminação em níveis seguros, sendo essencial a adoção da sanitização.
Os produtos clorados, principalmente os sais de hipoclorito, como o hipoclorito de sódio, é o composto mais utilizado na sanitização de frutas e hortaliças pela indústria de alimentos. O ácido hipocloroso (HOCl) é a forma ativa, com capacidade de oxidação. No entanto, esses compostos apresentam o risco de formação de outros indesejáveis, como os trihalometanos, que são considerados carcinógenos e são originados pela reação com a matéria orgânica (SREBERNICH, 2007). Em alguns países da Europa como Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suíça e Bélgica, o uso de cloro em alimentos frescos foi proibido (NASCIMENTO; SILVA, 2010) e, no Brasil, eles ainda são permitidos, porém são utilizados com cautela.
Martins et al. (2014) verificaram em couve, que o sanitizante mais efetivo sobre a contagem de mesófilos aeróbios foi o hipoclorito de sódio e em relação a coliformes a 35° e 45°C foram Sumaveg® e ácido peracético.
Alternativas aos compostos clorados têm sido propostas e o ácido peracético tem sido muito usado na indústria de alimentos, devido à elevada eficácia a baixa temperatura, à ausência de toxicidade e por não provocar alterações sensoriais nos alimentos (ARTÉS et al., 2007; SREBERNICH, 2007). Segundo São José e Vanetti (2012), a vantagem do uso do ácido peracético é este não apresentar risco ao ambiente e não produzir compostos tóxicos após reação com a matéria orgânica. Em estudo realizado por estas pesquisadoras utilizando ácido peracético na concentração de 40 mg/L sobre a população de Salmonella Typhimurium ATCC 14028 em tomate cereja, verificou-se a redução de 2,73 reduções decimais em relação ao tratamento controle.
O ácido peracético é o princípio ativo de diversos sanitizantes comerciais e sua eficiência é semelhante ou superior à do hipoclorito de sódio (NASCIMENTO, 2002). Seu mecanismo de ação está na oxidação dos componentes celulares dos microrganismos o que culmina em danos do sistema enzimático da célula microbiana. Ele apresenta rápida ação a baixas concentrações sobre um amplo espectro de microrganismos (SREBERNICH, 2007), como bactérias, fungos, vírus, algas e esporos (NAKAMURA; CINTRA, 2011). Em estudo realizado por São José (2009), foi verificada uma redução significativa na contagem total de bactérias mesófilas aeróbias e de fungos filamentosos e leveduras em tomate cereja tratado com ácido peracético 40 mg/L combinado a ultrassom.
O vinagre também é bastante usado na desinfecção de verduras a nível doméstico, por possuir baixo custo e elevada praticidade. Ele contém ácido acético em uma concentração mínima de 4% (NASCIMENTO et al., 2003). Costa et al. (2009), verificaram que a utilização de vinagre de maçã contribuiu para reduzir a microbiota de mesófilos aeróbios de manjericão, sendo este composto uma alternativa ao uso dos compostos clorados. Já Utyama et al. (2006) verificaram, em avaliação in vitro da atividade antimicrobiana dos vinagres branco e tinto, diluídos a 30, 25 e 10%, sobre Pseudomonas aeruginosa, Eschericia coli e Staphylococcus aureus, que existe relação direta entre a concentração do agente químico e a atividade antimicrobiana. Assim, concentrações mais altas de vinagre são requeridas para que este apresente efeito satisfatório.
Referências
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- CHITARRA, M.I.F.; CHITARRA, A.B. Pós-colheita de frutas e hortaliças: fisiologia e manuseio. 2. ed. Lavras: UFLA/FAEPE, p. 783, 2005.
- COSTA, J.AM. da.; MITTARAQUISI, A.S.P.; FURTADO, M. de C.; CARVALHO, L.M.; CARNELOSSI, M.A.G. Efeito da sanitização na qualidade microbiológica do manjericão. Horticultura Brasileira, v. 27, p. S3411-S3418, 2009.
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- MARTINS, G.B.; MONTANARI, S.R.; MARTINS, M.L.; MOREIRA, G.I. P.; OLIVEIRA, F.C. de; MARTINS, E.M.F. Uso de diferentes sanitizantes no processamento de couve. In: SIMPÓSIO DE CIÊNCIA, INOVAÇÃO & TECNOLOGIA, VII, 2014, Rio Pomba, MG. Anais […]. Rio Pomba, 14 e 15 de outubro de 2014.
- MORETTI, C.L. Manual de Processamento Mínimo de Frutas e Hortaliças. Brasília: Embrapa Hortaliças e Sebrae, 2007. 531p.
- NAKAMURA, C.H.; CINTRA, P. Utilização do Ácido Peracético na Desinfecção de Mãos. Associação Sul-Mato-Grossense de Nutrição, 2011.
- NASCIMENTO, M. S. Avaliação comparativa de tratamentos químicos na sanitização de frutas e verduras. 2002. 74 f. Dissertação (Mestrado em Ciência dos Alimentos). Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2002.
- NASCIMENTO, M.S.do.; SILVA, N.da. Tratamentos químicos na sanitização de morango (Fragaria vesca L). Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 13, n. 1, p. 11-17, 2010.
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