Ocorrência de cloreto positivo no leite em uma propriedade na região de Caçu – Goiás

Introdução

Diversos são os fatores que influenciam na qualidade do leite, muitos deles relacionados à alimentação e aos manejos, que quando falham, rompe-se uma cadeia dentro das propriedades, como uma corrente que fixa o navio à ancora – se um dos elos é rompido, o navio fica à deriva. Os manejos sanitários e nutricionais da propriedade são os elos mais importantes porque são a base para animais saudáveis que possam expressar sua máxima produtiva, não havendo desperdício de alimento (animais com escore corporal dentro do aceitável para cada fase, emprenhando corretamente e eliminando custos desnecessários com protocolos ou tratando distocias). 

Essas adversidades influenciam na qualidade e composição do leite; o leite em si é o termômetro mais fiel de como esses manejos estão sendo realizados dentro das propriedades. Muitas das análises de fraudes nos dizem como estão sendo direcionados os manejos; quando trabalhamos junto aos laticínios recebendo esses dados frequentemente, o produtor rural conseguirá ajustar os manejos conforme as informações são repassadas. Testes como “Teste de TRAM” ou redutase, nos dá uma ideia rápida da contaminação do meio em que o leite foi produzido ou do processo de resfriamento de forma ineficiente; Álcool Alizarol e a Acidez Dornic demonstram a acidez e instabilidade do leite; e as fraudes como Cloreto nos dizem como está o manejo geral, visto que ocorre quando os manejos essenciais não estão sendo executados.  

São realizadas as análises de fraude onde de forma qualitativa é detectada a presença de cloretos no leite onde a ação do nitrato de prata na presença do indicador cromato de potássio, quando normal, apresenta o indicador para a obtenção da cor marrom. Se o teor de cloreto é elevado, haverá maior consumo de nitrato de prata, diminuindo a intensidade da coloração marrom se tornando mais amarelada (TRONCO, 2008). 

Análise de eleição citada pela legislação brasileira para a pesquisa de reconstituíntes de densidade (BRASIL, 2006). Contudo, leite com CCS (Contagem de Células Somáticas) elevada também exibe teores de cloretos acima do normal, o que pode levar a um resultado falso-positivo, criando o entendimento que o leite foi fraudado com a adição de cloreto de sódio. 

Íons cloreto e os íons sódio estão na circulação sanguínea e durante um processo infeccioso atravessam os capilares sanguíneos, e são direcionados ao lúmen dos alvéolos da glândula mamária. Esse processo ocorre devido ao aumento da permeabilidade vascular e à destruição das junções celulares e do sistema de bombeamento iônico causados pelo processo inflamatório (ZAFALON et al., 2005).

Durante o recebimento de leite em um posto de refrigeração foram observadas positividades nos testes de fraudes do leite de um dos produtores. Ao realizar a visita na propriedade foi observada positividade no tanque. Além disso, foi realizada coleta de leite de forma individual dos animais, e foi constatada positividade em todos os animais da propriedade que estavam em lactação. Assim houve interdição do recebimento de leite e iniciou-se o acompanhamento técnico da propriedade com o objetivo de resolver os problemas encontrados.

Relato do Caso

Foram avaliadas 56 amostras de leite de 28 vacas da raça girolando em diferentes períodos de lactação, de uma propriedade leiteira, com regime a pasto e fornecimento de silagem após a ordenha, localizada na região de Caçu-Goiás, em agosto de 2021. As amostras foram coletadas diretamente no medidor da ordenha após o término da ordenha da tarde e da manhã do dia seguinte, sendo utilizados 3 frascos para cada animal – dois frascos eram destinados para análise de cloretos e demais fraudes e o outro para análise de CCS em laboratório externo. Durante e após a coleta, todas as amostras foram mantidas sob refrigeração e em seguida levadas ao laboratório para serem analisadas.

Foram realizadas todas as avaliações físico-químicas como preconizado pelo Ministério da Agricultura em ambas as coletas. Na primeira nenhum dos parâmetros sofreu alteração, nos testes de fraudes apenas o cloreto apresentou modificação (Figura 1), na segunda coleta houve variação no teste do alizarol e nos testes de fraudes. Nas análises de CCS todos os animais apresentaram números acima do estabelecido pela legislação (Tabela 1).

Figura   1 – Testes individuais de fraude para cloreto.

A pesquisa do teor de cloreto se baseia na reação do nitrato de prata com os cloretos do leite, utilizando o cromato de potássio como indicador (SCHERER, 2015).

De acordo com Gonzáles (2001), a composição média do leite pode variar em função de vários fatores, como raça, estágio da lactação, idade do animal, estação do ano, alimentação e a saúde da glândula mamária. São vários os componentes do leite, sendo que a água representa a maior proporção e os demais constituintes são, principalmente, a gordura, proteína e lactose, todos sintetizados na glândula mamária

A composição do leite é determinante para o estabelecimento da sua qualidade nutricional e adequação para processamento e consumo humano. A biossíntese do leite ocorre na glândula mamária, sob controle hormonal. 

Muitos dos constituintes são sintetizados nas células secretoras e alguns são agregados ao leite diretamente a partir do sangue e do epitélio glandular. Estima-se que o leite possua em torno de 100 mil constituintes distintos, embora a maioria deles não tenha sido identificado, sendo os principais constituintes a água, lactose, gordura, substâncias minerais e ácidos orgânicos (FREIRE, 2006).  

A alimentação é o fator base da bovinocultura de leite, afirmando que “o leite entra pela boca do animal”. A composição da ração das vacas lactantes influencia diretamente na constituição do leite produzido.  Nesta propriedade foi verificado que não havia alimentação suficiente para os animais, o score corporal não estava o ideal para o tamanho dos animais, o produtor estava enfrentando racionamento do alimento fornecido devido ao período seco, e não foi realizado planejamento na compra da silagem.

Outro fator crucial é o status sanitário do rebanho. Neste caso foram observados animais com alta Contagem de Células Somáticas (CCS), e como o produtor estava fornecendo um tamponante na ração isso não alterou o teste do Alizarol. Foi realizada coleta de leite dos animais de forma individual, enviado para laboratório externo para identificar os animais-problema, e tratar os resultados (Tabela 1), que demonstraram que havia um problema crônico de mastite no rebanho. Com a realização de cultura bacteriana, observou-se a presença de S. aureus, S. agalactiae e S. uberis. Foi estabelecido um protocolo de tratamento para os animais e ajuste da dieta através da pesagem do leite, porém o produtor optou por realizar um protocolo de secagem nos animais em lactação do rebanho, devido a gravidade da cultura bacteriana. Muitos dos animais estavam com baixa produção de leite devido à dieta desbalanceada (o produtor estava financeiramente inviabilizado devido aos custos do período da entressafra do leite que acontece nos meses mais secos do ano).

Dessa forma não obtivemos dados após período de secagem dos animais, e como foi interrompida a coleta de leite não foi realizado o acompanhamento do rebanho  eo produtor optou por secar todas as vacas e iniciar após o retorno das chuvas, através de protocolo de indução de lactação.

Tabela 1 – Descrição dos resultados das coletas 

Legenda: (N – Negativo, P – Positivo)

Conclusão

O presente caso demonstrou a importância do planejamento alimentar, de realizar os manejos necessários para garantir o status sanitário do rebanho, como realização de terapia da vaca seca, linha de ordenha e teste da caneca em cada ordenha. Quando esses manejos são suspensos, a propriedade perde um tempo importante na detecção prévia da mastite, expondo animais saudáveis a microrganismos, causando contaminação cruzada e a disseminação de patógenos importantes e difíceis de serem tratados, favorecendo a instabilidade do organismo dos animais e causando aparecimento de diversas alterações no leite

Referências Bibliográficas

• BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 68, de 12 de dezembro de 2006. Oficializa os Métodos Analíticos Oficiais Físico-químicos, para Controle de Leite e Produtos Lácteos, em conformidade com o anexo desta Instrução Normativa, determinando que sejam utilizados nos Laboratórios Nacionais Agropecuários. Diário Oficial da União. Brasília DF, 14 dez. 2006, Seção 1, p. 8. Disponível em: Acesso em: 13 ago. 2022. 
• FREIRE, M. F.; Análises das características físico-químicos do leite cru refrigerado entregue a uma cooperativa no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2002. 2006. 23p. Graduação (monografia em especialista em higiene de origem de produtos de origem animal e vigilância sanitária) Curso de pós-graduação, Universidade Castelo Branco. Rio de Janeiro, 2006. 
• GONZÁLES, F. H. D.; DÜR, J. W.; FONTANELI, R. S.; Uso de leite para monitorar a nutrição e o metabolismo de vacas leiteiras. Porto Alegre, 2001. Disponível em: <http://www.comunidades.mda.gov.br/o/892228>. Acesso em: 12 ago. 2011.
• SCHERER, T. Verificação quantitativa dos métodos qualitativos oficiais para detecção de fraude em leite. 2015. 55f. Monografia (Bacharel em Química Industrial) – Centro Universitário UNIVATES, Lajeado. 
• TRONCO, V. M. Manual para Inspeção da qualidade do leite. 3.ed. Santa Maria: Editora UFSM, 2008.
• ZAFALON, L.F.; NADER FILHO, A.; OLIVEIRA, J.V.; RESENDE, F.D. Comparação entre o California mastitis test e a contagem de células somáticas como métodos auxiliares para o diagnóstico da mastite subclínica bovina por Staphylococcus aureus e Corynebacterium spp. Boletim de Indústria Animal, v.62, n.1, p.63-69, 2005.