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Experiências no Pescado: relatos de especialistas na área | parte 3

As profissionais da área de pescado, Dra. Thaís Cristina Vieira, que atua com Jacarecultura, ou seja, a criação de jacaré para consumo, e Dra. Silvia Conceição, que atua com Ranicultura e toda a cadeia produtiva da rã, vão compartilhar suas experiências no pescado

Esta é a terceira parte do quadro “Experiências no pescado”, criada pelo curador da série Dia de Pescado, do Portal e-food, André Medeiros. Nesta terceira parte, traremos profissionais da área de pescado que atuam com animais aquáticos não tão comumente comentados. A Dra. Thaís Cristina Vieira, que atua com Jacarecultura, ou seja, a criação de jacaré para consumo, e a Dra. Silvia Conceição, que atua com Ranicultura e toda a cadeia produtiva da rã, e com quem eu aprendi muito na minha vida profissional, vão compartilhar experiências sobre as suas respectivas atuações no pescado.

Thaís Cristina Vieira Vianna

Médica Veterinária, especialista em Segurança de Alimentos e Tecnologia de Carne e Derivados.  Responsável Técnica e Gerente de Controle de Qualidade e consultoria em Supermercados durante 15 anos. Responsável Técnica da Caimasul, Abatedouro Frigorífico de Crocodilianos.

“Não há como eu falar sobre minha experiência em pescado sem falar da minha experiência de vida. Desde criança, quando me perguntavam o que queria ser quando crescesse, minha resposta era: Quero passar a mão em um tubarão.  Sempre tive paixão por animais aquáticos, especialmente tubarões, tartarugas e jacarés.

Formei- me pela UFMS em 2003. Essa universidade tem tradição em clínicas e criação de grandes animais, ou seja, é focada nesta área. Sempre me identifiquei muito com a produção de alimentos de origem animal e decidi me dedicar a ela. 

Logo após a formatura, fui indicada por uma professora e comecei a trabalhar em um frigorífico de bovinos. Fiz especializações na área de Tecnologia de Carnes, Derivados e Segurança Alimentar.

Consolidei minha carreira, que exerci por 15 anos. O sonho do pescado passou, portanto, a ser distante. Sempre fui extremamente comprometida e dedicada em tudo o que eu faço. Na vida profissional, isso pode levar muitas vezes a um desgaste excessivo, pois nem tudo pode ser feito exatamente da forma adequada.  

Esse desgaste, no meu caso, levou-me a um quadro de Síndrome de Burnout, o que me afastou temporariamente do trabalho. 

Foi durante esse período que surgiu uma oportunidade de trabalho em um frigorífico de crocodilianos. Era um desafio enorme, pois, apesar de ter experiência na área de segurança de alimentos, conhecia bem pouco sobre jacarés.

Para descrever minha experiência em pescado, portanto, poderia usar uma só palavra: desafio.

O primeiro desafio foi iniciar essa jornada, pois toda minha experiência em gerência de qualidade e consultoria era voltada para bovinos e, após um período de muitos questionamentos, resolvi renunciar à segurança e me dedicar a algo mais satisfatório: trabalhar em um abatedouro frigorífico de jacarés.

O segundo grande desafio vem do fato de ser uma atividade muito nova, que desperta reações intensas, tanto de apoio e curiosidade, quanto de divergência. Há pessoas que discordam do abate de animais silvestres e criticam, antes mesmo de conhecer. 

Cabe a nós, profissionais da área, mostrar que a atividade é altamente sustentável, seja do ponto de vista ambiental (já que a taxa de sucesso em cativeiro é muito maior que na natureza, e a degradação de biomas e emissão de carbono são menores que grande parte das outras criações), quanto do social (ribeirinhos que trabalhavam na caça clandestina dos animais e várias pessoas de classe social menos privilegiada estão envolvidos neste projeto).

Do ponto de vista tecnológico a carne de jacaré é uma carne extremamente saudável, magra, rica em ômega-3 e outros nutrientes. Também há vários outros produtos, ainda pouco conhecidos, que são muito saudáveis e passíveis de exploração. 

A cadeia produtiva do jacaré também possui potencial econômico incalculável, haja vista que há vários produtos e nichos a serem desenvolvidos. 

O maior desafio, no entanto, é que apesar de existirem pesquisadores muito competentes na área, esta ainda é pouco explorada e carente em estudos e pesquisas científicas. 

Apesar de em sua estrutura, em relação ao autocontrole, rotulagem e sanidade, se assemelhar a outros ramos, há muitas peculiaridades, e os problemas do dia a dia acabam sendo bem diferentes dos rotineiros em uma fábrica. Vivo à ciência, em meu trabalho, todos os dias. 

Pela escassez de informações, muitas vezes temos que nos basear em observações empíricas, que mais tarde refletem em grandes benefícios ou em enormes retrocessos. Isso nos leva a mais questionamentos e, consequentemente, aprendizados. 

Nessa caminhada, temos muitos parceiros: pesquisadores e acadêmicos que acreditam nestas ideias e que nos ajudam a desenvolvê-las, em conjunto com instituições de ensino e pesquisa, nos mantendo atualizados e “pensantes”. 

Os órgãos governamentais, por sua vez, têm começado a dirigir atenção a esta cadeia, buscando conhecer, para poder padronizar e normatizar a atividade. Também posso contar com o apoio de nossa diretoria e colaboradores, em nível técnico, administrativo, além dos jacarecultores e manipuladores, pois tenho a sorte de trabalhar com uma equipe de apaixonados, às vezes até utópicos, mas que tem a humildade e a grandiosidade de compartilhar seus conhecimentos, tornando o diálogo produtivo, e a melhoria constante e gradativa. 

Há um enorme potencial a ser explorado por nós, técnicos: veterinários, zootecnistas, engenheiros de pesca, biólogos e demais profissionais da área, para que essa atividade e, especialmente esse conhecimento, venha a ser desenvolvido em forma de pesquisas, publicações e regulamentação. É uma grande responsabilidade e um grande prazer, que eu pretendo desempenhar nos próximos anos.

Silvia Conceição Reis Pereira Mello

“Graduada em zootecnia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), iniciei no ano de 1984, estudos e projetos de extensão junto a equipe de piscicultura da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e posteriormente, ainda na SUDEPE, passei a trabalhar junto à equipe que desenvolvia trabalhos com peixes ornamentais e rãs. Naquela ocasião iniciei um aperfeiçoamento por meio de capacitação no CEPTA- ICMBIO, na época Centro Regional Latino-americano de Aquicultura – CERLA em Pirassununga- SP, com foco na reprodução de peixes. 

No ano de 1986, as Associações de criadores de Rãs e Scargot do Estado do Rio de Janeiro passaram a desenvolver trabalhos de pesquisa e extensão em parceria com a SUDEPE e fui então contratada, para prestar assistência técnica aos produtores. 

Em 1994 iniciei minha atuação como docente no Curso de Biologia da FAMATH em Niterói. Entre os anos de 1995 e 1998 assumi a diretoria técnica da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ) coordenando projetos de pesquisa e extensão na aquicultura e Pesca. Cursei o Mestrado em Medicina Veterinária na Universidade Federal Fluminense, e este foi concluído no ano 2000, sendo o tema da minha dissertação “Avaliação microbiológica e físico-química da polpa de dorso de rã obtida por separação mecânica”. Ao finalizar o mestrado fui convidada pela Universidade Federal de Viçosa e pela Embrapa Agroindústria de Alimentos, para atuar como bolsista DTI do CNPq, no subprojeto “Avaliação nutricional e terapêutica da carne de rã e seus produtos processados”. Ainda no ano de 2000 iniciei meu trabalho como consultora do SEBRAE/RJ implantando o projeto Desenvolvimento da Aquicultura no Estado do Rio de Janeiro, com foco nas cadeias produtivas da piscicultura, ranicultura e maricultura onde permaneci até o ano de 2012. 

Em fevereiro de 2009 passei a fazer parte do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), onde atuei como professora orientadora na linha de pesquisa cadeias produtivas sustentáveis, com foco na cadeia produtiva do pescado e ainda em projetos de educação ambiental. Concluí meu doutorado em Medicina Veterinária, na área de Higiene veterinária e processamento tecnológico de produtos de origem animal, na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2009.

Meu projeto de pesquisa no doutorado “Caracterização físico-química, bacteriológica e sensorial de “fishburger” e “kamaboko” obtidos da polpa e “surimi” de tilápia” foi focado no desenvolvimento de produtos derivados de pescado e na avaliação das características físico-químicas, microbiológicas e sensoriais. Vale ressaltar que, na ocasião do meu doutoramento visitei o Laboratório de Surimi da Universidade do Oregon nos Estados Unidos, coordenado pelo Prof. Dr. Jay Park, especialista no processamento de surimi, que possibilitou a introdução de métodos específicos na obtenção de surimi de espécies tropicais.

Em 2012, após admissão em concurso público, passei a atuar como pesquisadora da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ) com foco na cadeia produtiva da ranicultura. 

Entre 2015 e 2018, como pesquisadora da FIPERJ participei da equipe do projeto coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e atuei como responsável na ação de multiplicação de conhecimentos, para técnicos que atuam em unidades de abate e processamento de pescado “Fortalecimento tecnológico do Elo Agroindustrial da cadeia do pescado na região sudeste do Brasil por meio da socialização de conhecimentos, tecnologias e práticas”. Esse projeto teve como objetivo transferir tecnologias para o manejo na despesca, no processamento da carne de tilápia, da rã e do camarão e na cadeia de distribuição de pescado. 

No ano de 2019 por meio de processo de cessão passei a atuar como pesquisadora no Centro Estadual em Pesquisa da Qualidade e Alimentos (CEPQA) da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (PESAGRO) e como bolsista produtividade DT do CNPq, onde desenvolvo projetos com foco na avaliação microbiológica de produtos desenvolvidos com carne de rã sendo esse estudo, tema de pós-doutoramento, e também em projetos de avaliação da qualidade microbiológica de produtos cárneos comparando diferentes métodos de análise. Em 2021 iniciei minha atuação como docente credenciado do Programa de Pós-graduação em Segurança Alimentar e Nutricional (PPGSAN) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).”

Outros relatos já publicados no Portal e-food

Experiências no Pescado: relatos de especialistas na área | parte 1

Experiências no Pescado: relatos de especialistas na área | parte 2

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