Portal colaborativo para profissionais, empresas, estudantes e professores da área de Segurança de Alimentos.

Presidente da SIPERJ e professora da UFF falam de suas experiências no setor pesqueiro

Esta é a quinta e última parte do quadro “Experiências no pescado”, criada pelo curador da série Dia de Pescado, do Portal e-food, André Medeiros

Na quinta e última parte do quadro “Experiências no pescado”, criada pelo curador da série Dia de Pescado, do Portal e-food, André Medeiros, recebemos o relato do presidente do Sindicato da Indústria do Pescado do Rio de Janeiro (SIPERJ) e especialista em Economia e Tecnologia Pesqueira, Sérgio Carlos Ramalho. Além disso, a professora Eliana de Fátima Marques de Mesquita, lotada no Departamento de Tecnologia dos Alimentos da Universidade Federal Fluminense (UFF), também deu a sua contribuição. Ela é militante da área de Processamento Tecnológico, Higiene Veterinária e Inspeção do Pescado e Derivados; e Sanidade de Aquáticos há muitos anos, além de ser uma grande inspiração profissional em particular para o nosso curador André, uma vez que ela foi sua orientadora no mestrado e doutorado, e muito contribuiu em sua formação no pescado. Nestes textos, os especialistas compartilham a sua vivência no ramo. 

“Lembro-me bem da época quando foi fechado o tradicional entreposto pesqueiro da Praça XV, abrimos nosso cais para que os pescadores pudessem fazer as despescas de suas capturas” – Sérgio Carlos Ramalho

“Sou o Sérgio Carlos Ramalho e quando André Medeiros me convidou para  este relato, confesso que uma vida me passou pela cabeça, muitas memórias, grandes momentos e várias reflexões, boas lembranças e avaliação de minha estrada, ou melhor, navegação, na cadeia da pesca onde resolvi tentar contar um pouco da minha história na pesca.

Não que me sinta velho, pois tenho ainda muita energia e projetos para trabalhar com a pesca, mas digamos, já posso me considerar um ancião dessa cadeia produtiva. Sou economista de formação, iniciei em 1962, aos 25 anos, minha aproximação com essa cadeia produtiva através do serviço público federal onde existia o Conselho de Desenvolvimento da Pesca, subordinado à Presidência da República, a Divisão de Caça e Pesca e a Caixa de Crédito da Pesca, vinculados ao Ministério da Agricultura. Esses três órgãos foram fundidos e ainda no final desse ano foi criado a então Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), subordinada ao Ministério da Agricultura. Lá Trabalhei por 10 anos, nos mais variados cargos, desde a estatística pesqueira até programas específicos onde destaco com boas lembranças e orgulho as ações realizadas em defesa da atividade que até hoje trago como minha. Lá, tive a oportunidade de me pós graduar em economia e tecnologia pesqueira pela Universidade da Pesca de Valparaíso, no Chile, tamanha foi e ainda é minha paixão pela pesca.

Pela SUDEPE fiz parte de uma equipe multidisciplinar, com participação da FAO, onde tivemos o privilégio de criar o primeiro plano nacional de desenvolvimento pesqueiro, que serviu de alicerce para a criação da lei de incentivos fiscais para a pesca (decreto Lei 221/67). Esse plano tinha como objetivos a modernização e a adequação das embarcações e das indústrias pesqueiras e trazia incentivos fiscais do governo para isso. Para criar esse plano, não queríamos que fosse um plano teórico apenas e então mobilizamos toda a equipe e rodamos todo o país conhecendo a realidade, os entraves, as demandas da cadeia da pesca naquela época.

Ainda na SUDEPE, em 1971, fui o secretário geral e organizador da 1ª Convenção Nacional da Pesca que foi um marco para o setor. Representantes dessa cadeia, de todo o Brasil, se fizeram presentes, assuntos dos mais variados foram debatidos, falou-se de estatística, de regulamentação, de formalização do trabalho de pescador e de qualidade dos pescados e daí surgiu a 1ª Associação Nacional das Empresas de Pesca que envolvia tanto os pescadores, barqueiros e armadores como as indústrias de beneficiamento de pescados e a visão de realmente haver uma representação extra governamental que defendesse e pleiteasse os interesses da cadeia dos pescados.

Em 1972 pedi minha exoneração da SUDEPE e fiquei exclusivamente dedicado à iniciativa privada onde ajudei a fundar a Friopesca Comércio e Indústria de Pescados (produtos fripesca) onde permaneci até 1974. Após deixar essa empresa já estruturada, fui contratado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID – para desenvolver o primeiro projeto de desenvolvimento pesqueiro na Costa Rica.

De lá retornando fui convidado a assumir a diretoria administrativa da Metal Forty S/A, detentora da marca Gomes da Costa, até hoje uma das mais importantes empresas de beneficiamento de pescado em conserva do Brasil. Dali fui para as Sardinhas 88 e sempre me envolvendo e lutando em prol dos assuntos da pesca.

Lembro-me bem nessa época que quando foi fechado o tradicional entreposto pesqueiro da Praça XV, abrimos nosso cais para que os pescadores pudessem fazer as despescas de suas capturas.

Tive a felicidade de ser convidado como Conselheiro da Fiperj quando de sua criação, tive experiência com a academia onde fui professor na UNIGRANRIO do curso de MBA em gestão e comercialização de produtos agropecuários e alimentícios falando sobre a pesca e desde 1983 ascendi através do meu vínculo com a indústria pesqueira ao Sindicato das Indústrias de Pesca do Rio de Janeiro – SIPERJ – onde fui membro, depois secretário executivo e há mais de 10 anos sou o Presidente deste Sindicato vinculado à Firjan, além de Consultor para assuntos de pesca da Confederação Nacional das Indústrias – CNI, sempre trabalhando pela cadeia da pesca, buscando alternativas para o seu desenvolvimento e agora incluindo também planejamentos para a pesca interior e a aquicultura onde pretendemos a partir de 2022, numa grande parceria multi institucional, iniciar a mudança do patamar do Rio de Janeiro nesta cadeia que já foi outrora pujante e merece e pode ser recuperada.

Neste interim fui agraciado com várias homenagens da cadeia da pesca, reconhecimentos formais, menções honrosas e em 2016, logo após minha entrada como Presidente do Sindicato a honraria maior com a medalha do Mérito Industrial da Firjan pelo meu envolvimento com o desenvolvimento da indústria pesqueira do Estado, sobretudo da indústria de processamento de pescados em conservas.

Ao longo desse caminhar, uma de nossas principais preocupações e assuntos sempre foi pensando no melhor para o consumidor, quero dizer, no pescado de qualidade. Participávamos dos debates nas construções das regulamentações em conjunto com os governos, mudávamos nossas estruturas para adequar, capacitávamos nosso pessoal, estimulávamos nossos concorrentes a também evoluírem, entendíamos que a qualidade tinha que ser conseguida no mar e permanecida até chegar no processamento e mantida por nós até a mesa do consumidor. É claro que quando falávamos de qualidade naquela época estávamos construindo um consciente coletivo sobre o assunto, estávamos pensando no que seriam os atributos relacionados a essa qualidade, não tínhamos as informações tão disponíveis e consolidadas que temos hoje, não tínhamos os estudos técnico-científicos além dos que fazíamos algumas pequenas vezes em nossos parcos laboratórios industriais. Mas tínhamos um orientador, até hoje e com todas as suas revisões e versões, ainda vivo e em pé. Tínhamos o RIISPOA para seguir e dali pensávamos em fazer o melhor para manter a qualidade do pescado. Era tarefa difícil numa época de desconhecimento, mas acho que foi feito um bom trabalho.

E por aqui me despeço de todos vocês saudando ao novo amigo Dr. André Medeiros pelo desafio a mim colocado de contar essa história e rememorar tantos bons momentos que agora percebi que ainda servem de motivação para eu continuar lutando pela representatividade e pelo desenvolvimento da cadeia da pesca e o congratulando por um espaço tão rico para as boas inspirações de cada um que aqui escreve. Me despeço esperando que seja uma boa história para vocês e, sem pretensão de minha parte, também os motivem para se juntarem conosco na busca de um “lugar ao sol” ou melhor, “um lugar nas águas” para a pesca e todas as suas atividades.”

Eliana de Fátima Marques

“Nós, as “meninas”, éramos em menor número, e por vezes em aulas práticas, nas fazendas ou criatórios, éramos alvo de brincadeiras dos colegas. Havia uma nítida concepção de muitos que consideravam a profissão uma escolha de gênero. Hoje, são muitas as crianças da minha família que apontam esta profissão como uma escolha futura”, Eliana de Fátima Marques .

Na família fui a primeira pessoa a pensar em Medicina Veterinária, pois tínhamos parentes em profissões consideradas tradicionais, tais como, engenheiros, pedagogos, professores e  advogados. Muitos familiares estranharam minha escolha, pois consideravam bastante “masculina” e “pesada” para uma moça jovem e franzina. E realmente, na época, era uma profissão mais procurada pelos rapazes. As atividades de certas disciplinas na Faculdade de Veterinária ou em fazendas eram voltadas para o campo e para a labuta com animais de grande porte, pois a clínica de pequenos ainda não tinha a importância em nossa sociedade que tem hoje. Nós, as “meninas”, éramos em menor número, e por vezes em aulas práticas, nas fazendas ou criatórios, éramos alvo de brincadeiras dos colegas. Havia uma nítida concepção de muitos que consideravam a profissão uma escolha de gênero. Hoje, são muitas as crianças da minha família que apontam esta profissão como uma escolha futura. Não se trata mais de função somente masculina. Para a nova geração é uma profissão que envolve certa “magia” e encantamento, porém a realidade é que o médico veterinário é um profissional complexo. A profissão abrange papéis que vão além da prevenção, da erradicação e do tratamento de doenças. Ela é diretamente responsável pelo desenvolvimento da produção animal e envolvida nos problemas de saúde pública, e, por conseguinte, na segurança nacional, integrando-se no complexo das atividades econômicas e sociais do País. 

Em julho de 1976 graduei-me em Medicina Veterinária pela Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense. Em ato contínuo, iniciei a carreira acadêmica nos idos de 1977 sendo admitida nos quadros da UFF como Professora e sendo lotada no Departamento de Tecnologia dos Alimentos. Atualmente, ocupo o cargo de Professor Titular – DE na UFF, ministrando aulas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) em Medicina Veterinária, e militando na área de Processamento Tecnológico, Higiene Veterinária e Inspeção do Pescado e Derivados; e Sanidade de Aquáticos. Nesse período de minha carreira tive a oportunidade de conviver com luminares da nossa Escola de Veterinária, entre eles Dr. Miguel Cioni Pardi, Dr. Donato Sylvestre Scharra (o filho), Dr. Elmo Rampini de Souza e, o meu predileto cientista e orientador, Dr. Jefferson Andrade dos Santos, que gentilmente me levou pelos caminhos da Anatomia Patológica. Considero-me afortunada!

Desde o início de minha trajetória profissional, oportunidades nacionais e internacionais me foram concebidas, e fui me encantando principalmente pelo mundo dos aquáticos (leia-se moluscos, crustáceos e peixes de importância econômica), militando em várias frentes – em especial a dos moluscos bivalves, animais com os quais realizei muitas de minhas pesquisas e orientações. À grosso modo, adquiri, experiência em vários tópicos da ciência, e pude orientar colegas, tanto na graduação quanto na pós-graduação, em temas como radiação ionizante aplicada ao pescado, moluscos de importância alimentar e veterinária, tecnologia e higiene do pescado, sanidade e histopatologia de animais aquáticos. O que depreendemos dessas vivências é a certeza de que nosso crescimento profissional se deve em muito a via de mão dupla que é o ensino e a aprendizagem. Ao ensinar aprendemos muito mais. E ao pesquisar acumulamos conhecimento que o outro nos ajuda a trilhar. É formidável ver os colegas – ontem acadêmicos, trilhando os caminhos da profissão com tanto brilhantismo e garra. 

Ao iniciar a carreira tão jovem, e ainda titubeando na vida acadêmica, me dei conta de que convênios com instituições de ponta ou associações diversas trariam maiores subsídios às linhas de pesquisa e projetos que eu tinha em mente. A nossa Universidade era carente e nossa área muito incipiente à época, e os que se dedicavam a linha de tecnologia e inspeção de pescado sofriam com a falta de incentivo e desinteresse do alunado. Outra coisa que era e ainda é bastante complicada é a atuação do aluno dentro das indústrias de pescado, como um simples estagiário ou mesmo no caso do supervisionado. Vários convênios foram, então, firmados com instituições que até hoje são parceiras da UFF.

Quando criança uma das minhas brincadeiras favoritas era “dar aulas para minhas bonecas”. Acredito que esses momentos infantis revelam muito da personalidade e de futuras incursões profissionais. Segundo Piaget, o desenvolvimento da criança acontece através do lúdico, pois ela precisa brincar para crescer e aprender a se expressar. Sendo assim, acredito que minha real vocação sempre foi o ensino. Através dele eu aprendi a gostar de fazer pesquisa e de fazer extensão. É como várias faces do mesmo espelho. Uma atividade complementa a outra. Por isso, acredito que meu papel na Universidade em todos esses anos revelou-se completo na tríade exigida para nós professores. Nem sempre apoiados. Nem sempre compreendidos. Mas, com certeza, sempre realizados com o sucesso e a amizade de seus orientados e amigos.

Total
0
Shares
1 comments
  1. Que histórias lindas e cheias de determinação. Temos muito a aprender com vocês e agradeço muito ao meu querido e especial Professor André por compartilhar esse conhecimento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia mais