Pesquisadores da Rede de Pesquisa em Queijos Artesanais Brasileiros (REPEQUAB) desenvolveram um protocolo analítico para padronizar pesquisas científicas sobre segurança microbiológica de queijos artesanais produzidos com leite cru e maturados por menos de 60 dias. O protocolo em questão inclui etapas de aplicação de checklist para qualificação do risco do produto e do processo produtivo, além da realização de análises microbiológicas. Poderá, também, balizar produtores e órgãos de inspeção sanitária sobre os parâmetros necessários para regularizar um produto do gênero.
Solicitado pela Associação Paulista de Queijos Artesanais (APQA), o material foi publicado no formato de um relato de experiência na Revista de Segurança Alimentar e Nutricional (DOI: 10.20396/san.v30i00.8674102).
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A produção de queijos de leite cru com menos de 60 dias de maturação é permitida no Brasil em condições específicas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), sendo necessário o cumprimento de uma série de requisitos legais a mais do que os demais queijos — aqueles produzidos com leite pasteurizado ou com leite cru desde que maturados por 60 dias ou mais, a fim de evitar contaminações por patógenos que causam doenças como brucelose, tuberculose e diversas doenças de transmissão hidríca e alimentar (DTHA).
Um destes requisitos, de acordo com a REPEQUAB, é a obrigatoriedade de realização de pesquisa científica que comprove que o queijo de leite cru não traz riscos à saúde. No entanto, de acordo com os pesquisadores da Rede, isto é algo que não tem regras para execução estabelecidas pelo Mapa.
Atualmente, fica a cargo de cada órgão de inspeção (federal, estadual ou municipal) estabelecer o que considera uma pesquisa científica válida para comprovar a segurança dos queijos, sendo que este processo muitas vezes acontece após a realização da pesquisa, quando já foram gastos tempo e recursos financeiros.
“Existe uma divergência muito grande de regras entre os estados, e é isso que o protocolo visa padronizar, com base no que a ciência julga como seguro e no que é possível de ser adotado pelos produtores que, em grande parte, são pequenos agricultores”, afirma um dos coordenadores do projeto, Uelinton Pinto, pesquisador da REPEQUAB e do Centro de Pesquisas em Alimentos (Food Research Center – FoRC), da Universidade de São Paulo (USP), e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
“Uma consequência da aplicação de protocolos diferentes é que, em Santa Catarina, por exemplo, o limite de maturação para um queijo artesanal tradicional é de 5 dias, enquanto em Minas Gerais, varia entre 14 e 22 dias, sendo que essa diferença de tempo não significa que os queijos mineiros levam o triplo de tempo para atingir o mesmo padrão de segurança microbiológica”, detalha a outra coordenadora, Alline Artigiani Lima Tribst, engenheira de alimentos, e também coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, da Universidade Estadual de Campinas (NEPA/UNICAMP).
Segundo os pesquisadores, o protocolo busca solucionar também a falta de clareza envolvida no processo. Para eles, os órgãos de inspeção não utilizam uma metodologia clara para avaliar essas pesquisas. Não é definida qual é a amostragem que precisa ser apresentada, qual porcentagem de toda produção ela representa, por quanto tempo devem ser feitas as análises, e quais análises são essas.
O protocolo foi apresentado à Defesa Agropecuária do Estado e à CATI com a proposta de que, com recursos do governo do Estado, ele seja regulamentado pelo primeiro órgão e aplicado por técnicos vinculados à segunda instituição. Esses técnicos fariam vistorias nas queijarias que solicitarem o serviço, com a incumbência também de coletar as amostras que seriam então analisadas por pesquisadores de universidades e de instituições de pesquisa.
Além do interesse na implementação da proposta no estado de São Paulo, os pesquisadores têm a expectativa de que o protocolo e a metodologia sejam incorporados por outros estados e municípios, e possam servir de base para o desenvolvimento de novas políticas do Mapa, voltadas para padronizar as regulamentações de queijos artesanais a nível federal.
Saiba mais sobre o protocolo
O protocolo é baseado no volume de produção de cada queijaria e nos riscos do queijo específico e do processo produtivo aplicado. Com um questionário padrão (modelo checklist), seriam avaliados os riscos envolvidos na produção. Conforme a avaliação, o técnico definiria o número de amostras necessárias para a análise, que inclui enumeração de Escherichia coli, Estafilococos Coagulase Positiva, e Listeria monocytogenes, e pesquisa de Salmonella, e pode variar de uma a 16 amostras mensais durante seis meses.
O uso desse protocolo não desobrigaria o produtor de cumprir outras exigências da lei, a exemplo da certificação de Propriedade Livre ou Controlada de Tuberculose e Brucelose, do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (um processo que pode demorar mais de um ano e poderia ser feito de forma simultânea), e do Programa de Controle de Mastite.