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Segurança de alimentos nas indústrias de vegetais minimamente processados

Os hábitos de consumo atuais estão tornando os vegetais minimamente processados cada vez mais procurados nas prateleiras dos mercados. Thaís Justo compartilha cuidados com a segurança desses alimentos.

O consumo de alimentos frescos e práticos tem aumentado com a busca por produtos mais saudáveis, somada à vida corrida dos consumidores. O Ministério da Saúde, em seu Guia Alimentar, recomenda o consumo de alimentos saudáveis, principalmente os frescos, optando por refeições caseiras em detrimento de fast foods (Brasil, 2014). Além disso, recomenda o consumo diário de três porções de legumes e verduras nas refeições. O consumo mínimo recomendado desses tipos de alimentos e de frutas é de 400g/dia, significando um aumento de três vezes em relação ao consumido atualmente pela população brasileira. Sendo assim, o consumo de vegetais minimamente processados tem aumentado pela sua praticidade. Segundo a Portaria SES nº 90 de 14 de fevereiro de 2017 do Rio Grande do Sul, vegetais minimamente processados (VMP) são “frutas, legumes ou hortaliças, ou a combinação destas, que tenham sido submetidas a um processamento, o qual pode incluir seleção, corte, fatiamento, lavagem, desinfecção, enxágue, centrifugação, embalagem e armazenamento, entre outros, permanecendo em estado fresco, com qualidade sensorial adequada e seguro ao consumo.”

No Brasil, a indústria de vegetais minimamente processados faz parte de um mercado em crescimento. O consumo desse tipo de alimento teve um considerável aumento por ser uma alternativa prática para o consumidor doméstico (Sato et al, 2006), mas também para o setor de fast food. Os supermercados já contam com espaços reservados para esses produtos, que representam 10% a 13% do total de vendas (Oliveira et al., 2011).

A microbiota dos vegetais produzidos na terra é, em geral, a mesma que a do solo (Jay, 2005, p. 151). A Food and Agriculture Organization (FAO), em seu relatório sobre surtos ocasionados por doenças veiculadas por alimentos em 2008 mostrou várias doenças pelo consumo de folhas verdes (WHO, 2008). As hortaliças, além das frutas, são veículos de muitos agentes etiológicos de enfermidades entéricas, sendo a contaminação fecal o fator de maior relevância. Estudos mostram que alguns microrganismos patogênicos podem sobreviver por longos períodos no esterco e no solo tratado com o mesmo. Além disso, a veiculação pode ser dada por águas contaminadas, estocagem inadequada ou ainda por estarem com produtos vegetais já deteriorados.

Na cadeia de produção de produtos frescos minimamente processados, a lavagem e a desinfecção com soluções sanitizantes são os únicos passos para a redução de microrganismos patogênicos e, por isso, são etapas importantes nesse processo. O uso dessas soluções na etapa de higienização nos tanques objetiva, principalmente, controlar a contaminação cruzada entre os lotes de vegetais processados. A água utilizada para a lavagem e desinfecção de vegetais minimamente processados pode ser uma fonte de contaminação cruzada quando diferentes lotes de vegetais são processados no mesmo tanque.

O Ministério da Saúde, em seu Guia Alimentar Para a População Brasileira (2008), recomenda a utilização de compostos clorados na concentração de 200 ppm (uma colher de sopa para um litro) na higienização de frutas, legumes e verduras. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através da sua portaria SES nº90/2017 (Rio Grande do Sul, 2017), dispõe o regulamento técnico de boas práticas de fabricação e de procedimentos operacionais padronizados (POP) aplicados aos estabelecimentos produtores/industrializadores de frutas e vegetais minimamente processados, a primeira legislação brasileira específica destinada a este fim. Nela, há a especificação de um POP referente ao controle da lavagem e desinfecção desses produtos, o qual deve contemplar todas as etapas da operação, sendo, no mínimo: lavagem, desinfecção e enxágüe, detalhadas com as informações sobre os princípios ativos e concentração dos produtos destinados a desinfecção. Essa mesma portaria ainda regulamenta que as soluções cloradas devem estar em concentrações de cloro livre de 10 a 50 ppm, com o tempo de contato comprovadamente suficiente para a redução microbiana até níveis seguros e controle da contaminação cruzada entre lotes já sanitizados. Para outros tipos de desinfetantes, o uso é permitido, desde que comprovadamente eficaz. O Codex Alimentarius menciona que as indústrias de vegetais minimamente processadas podem usar diferentes métodos e produtos para desinfecção (CAC/RCP, 2003).

Os sanitizantes clorados são os mais utilizados pela indústria de VMP por terem um ótimo poder germicida, serem econômicos e de fácil utilização, sendo o hipoclorito de sódio o mais comum. Porém, alternativas para a substituição de compostos clorados têm sido estudadas, como por exemplo o uso de ácidos orgânicos que, em concentrações maiores do que as já utilizadas pelas indústrias para aumentar o shelf-life de produtos, pode inativar as células bacterianas.

Um estudo feito na Universidade Federal do Rio de Janeiro e publicado na Journal of Food Safety em 2019 testou a sensibilidade da Salmonella spp. (gênero bacteriano da família Enterobacteriaceae que causa mais frequentemente doenças de origem alimentar, com elevada morbidade, mortalidade e perdas econômicas e que tem sido relatada sua presença em vegetais destinados ao consumo in natura) ao hipoclorito de sódio, nas concentrações de 25 ppm e 50 ppm, e ácido cítrico nas concentrações de 0,5% e 1% em água de lavagem contando resíduos de alface, simulando o que acontece na indústria de VMP. Uma contagem do microrganismo foi realizada após os tempos de contato de um, dois, três, quatro, cinco, 10 e 15 minutos. Como resultado desse teste de sensibilidade, o hipoclorito de sódio a 50 ppm e a 25 ppm foram capazes de reduzir 6 log UFC/mL de Salmonella em um e três minutos de contato, respectivamente, enquanto o ácido cítrico a 0,5% e 1% foram capazes de reduzir 1,26 log UFC/mL e 1,74 log UFC/mL, respectivamente, ao final de 15 minutos. Sendo assim, o hipoclorito de sódio demonstrou maior capacidade de redução microbiana em água de lavagem, indicando ser mais apropriado para evitar a contaminação cruzada entre lotes de vegetais higienizados no mesmo tanque.

Outro ponto importante do estudo foi que ele demonstrou que a matéria orgânica presente nessa água de lavagem pode influenciar diretamente as reações com cloro livre. Dessa forma, a indústria de VMP deve se atentar não só às concentrações de cloro livre presente nos tanques, mas também no excesso de matéria orgânica (terra, folhas e outras sujidades) para que não haja comprometimento da eficiência da higienização.

As indústrias de VMP tem um grande desafio: manter a qualidade e segurança de alimentos que serão consumidos sem qualquer etapa de redução microbiana por parte do consumidor. Para isso, é recomendado que haja controle do processamento, principalmente o controle de sanitizantes na água de lavagem para evitar a contaminação cruzada quando diferentes lotes são processados no mesmo tanque; implementação das boas práticas de fabricação (BPF); além da escolha de fornecedores que possam assegurar a qualidade dos produtos fornecidos e sistemas de gestão da segurança de alimentos certificados.

 

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Novo guia alimentar: Ministério da Saúde recomenda consumo de alimentos frescos. Fev. 2014. Disponível nesse link.

Borges, Thaís J.; Moretti, Letícia K.; Silva, Marselle M.N.; Tondo, Eduardo C.; Pereira, Karen. S. Salmonella sensitivity to sodium hypochlorite and citric acid in washing water of lettuce residues. Journal of Food Safety. DOI:10.1111/jfs.12748.

CAC/RCP 53. Codex Alimentarius Comission. Code of Hygienic Practice for Fresh Fruits and Vegetables. p. 1–27. 2003. Disponível aqui.

Jay, J. M. Gastroenterites de origem alimentar causadas por Salmonella e Shigella. In: JAY, J. M. Microbiologia de Alimentos. 6ª ed., 2005, Porto Alegre: Artmed, cap. 26, p.543-561.

Oliveira, M. A. de, Maciel de Souza, V., Morato Bergamini, A. M., & De Martinis, E. C. P. (2011). Microbiological quality of ready-to-eat minimally processed vegetables consumed in Brazil. Food Control, 22(8), 1400 1403. doi:10.1016/j.foodcont.2011.02.020.

Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual de Saúde. Portaria Nº 90, de 14 de fevereiro de 2017. Regulamento Técnico de Boas Práticas de Fabricação e de Procedimentos Operacionais Padronizados Aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Frutas e Vegetais Minimamente Processados. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, terça-feira, 14 de fevereiro de 2017.

Sato, G. S., Martins, V. A., Bueno, C. R. F. (2006). Análise exploratória do perfil do consumidor de minimamente processados na cidade de São Paulo. In: III SEMINÁRIO ABAR SUL (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO RURAL – Região Sul). Anais… Curitiba (PR).

WHO. World Health Organization. Foodborne disease outbreaks: guidelines for investigation and control. World Health Organization, 2008. Disponível nesse link.

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