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Impacto da rotulagem de alergênicos na saúde do consumidor

A presença de alergênicos em alimentos é uma realidade que deixa em alerta pessoas que possuem algum tipo de sensibilidade a esses ingredientes. Dentre a ampla lista com mais de 160 alimentos considerados alergênicos, oito destes são alérgenos significativos, como leite de vaca, ovos, castanhas, amendoim, soja, trigo, peixes e frutos do mar. Esses alérgenos alimentares são responsáveis por 90% das reações alimentares e têm se mostrado mais prevalentes em crianças do que em adultos, devido à imaturidade da mucosa intestinal. De forma geral, em mais de 80% dos casos, essas alergias se recuperam espontaneamente nos primeiros 3 anos de vida. 

Mas o que são alergias alimentares e como são desencadeadas?

As alergias alimentares são uma resposta imunológica específica em indivíduos sensíveis, após estes consumirem alimentos ou aditivos alergênicos, desencadeando reações adversas no organismo. Alimentos que são consumidos de forma segura pela maior parte da população, podem desencadear reações graves em indivíduos sensíveis, mesmo quando consumidos em quantidades ínfimas.

As reações de hipersensibilidade aos alimentos podem ser classificadas de acordo com o mecanismo imunológico envolvido, sendo divididas em duas categorias. O grupo mediado pela imunoglobulina E (IgE), gera reações dentro de poucos minutos ou até algumas horas após a ingestão do alimento alergênico, correspondendo às reações de hipersensibilidade imediata, com resposta adversa medida pelo IgE a um determinado alergênico. Já o segundo grupo é mediado pelas células T do sistema imunológico, representando as reações de hipersensibilidade retardada, com sintomas entre 24 e 48 horas após a ingestão do alimento (Figura 1).

A alergia alimentar pode mudar de acordo com a faixa etária, sendo o ovo o alérgeno mais comum em crianças de até 5 anos e as frutas frescas mais alergênicas em crianças maiores de 5 anos. Cerca de 2 a 10% da população mundial é afetada por alguma alergia alimentar, variando conforme a idade, localização geográfica, etnia e fatores genéticos, tendo sua prevalência aumentada nos países desenvolvidos. Esse crescimento pode ser associado à maior exposição da população a um número maior de alergênicos alimentares disponíveis, o que tem se tornado um problema para a qualidade de vida. 

A fim de evitar as complicações clínicas causadas por reações alérgicas pós consumo de alimentos, a melhor alternativa é a restrição e a não ingestão do alimento ou grupo de alimentos que causam alergia. 

Figura 1: Tipos de reações alérgicas desencadeadas após consumo de alergênicos.

Fonte: os autores.

Além do conceito de alergia alimentar, é importante também conhecer outros termos essenciais nesse contexto, definidos pela RDC nº 727/2022.

Alimento: toda substância que se ingere no estado natural, semi-elaborada ou elaborada, destinada ao consumo humano, incluídas as bebidas e qualquer outra substância utilizada em sua elaboração, preparo ou tratamento, excluídos os cosméticos, o tabaco e as substâncias utilizadas unicamente como medicamentos. 

Alérgeno alimentar: qualquer proteína, incluindo proteínas modificadas e frações proteicas, derivada dos principais alimentos que causam alergias alimentares. 

Contaminação cruzada: presença de qualquer alérgeno alimentar não adicionado intencionalmente ao alimento como consequência do cultivo, produção, manipulação, processamento, preparação, tratamento, armazenamento, embalagem, transporte ou conservação de alimentos, ou como resultado da contaminação ambiental.

Como saber quais alimentos possuem ou não ingredientes alergênicos?

O rótulo é a principal via de comunicação entre o fabricante e o consumidor. Contudo, sua ausência ou erros na declaração de alérgenos na rotulagem são      fatores chave na ocorrência de alergias alimentares. 

Para garantir que o rótulo dos alimentos apresente todas as informações essenciais sobre a presença de alergênicos e seus derivados, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) criou as normas regulamentares de rotulagem, publicadas em forma de Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), que são orientadas e fiscalizadas pelo órgão, garantindo que os consumidores tenham acesso a informações corretas. 

O que deve constar nos rótulos?

O principal objetivo do rótulo é criar uma ponte entre o fabricante do produto e o consumidor. Para que sua elaboração seja segura, é preciso seguir padrões exigidos pelas leis e resoluções cabíveis para cada produto, fazendo também uma análise detalhada dos ingredientes diretos e indiretos presentes naquele produto. Os ingredientes diretos são aqueles utilizados na formulação, já os indiretos são traços de alimentos alergênicos que podem estar presentes de forma não intencional no produto final. 

De acordo com a RDC n° 727/2022, a rotulagem dos alimentos embalados deve conter advertências sobre os principais alimentos que causam alergias alimentares. As advertências devem estar agrupadas imediatamente após ou abaixo da lista de ingredientes e com caracteres legíveis que atendam aos seguintes requisitos de declaração: caixa alta; negrito; cor contrastante com o fundo do rótulo; e altura mínima de 2 (dois) mm e nunca inferior à altura de letra utilizada na lista de ingredientes.

A mesma RDC regulamenta as normas de declaração de alérgenos e trata especificamente dos produtos classificados pela ANVISA como alergênicos, sendo eles: 1. Trigo, centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas; 2. Crustáceos; 3. Ovos; 4. Peixes; 5. Amendoim; 6. Soja; 7. Leites de todas as espécies de animais mamíferos; 8. Amêndoa (Prunus dulcis, sin.: Prunus amygdalus, Amygdalus communis L.); 9. Avelãs (Corylus spp.); 10. Castanha-de-caju (Anacardium occidentale); 11. Castanha-do-Brasil ou Castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa); 12. Macadâmias (Macadamia spp.); 13. Nozes (Juglans spp.); 14. Pecãs (Carya spp.); 15. Pistaches (Pistacia spp.); 16. Pinoli (Pinus spp.); 17. Castanhas (Castanea spp.); 18. Látex natural. 

A rotulagem de alimentos não contempla exceções, devendo todos os alergênicos e seus derivados serem obrigatoriamente gerenciados e declarados, inclusive nos casos em que sua presença no alimento é de forma não intencional, ou seja, por meio de contaminação cruzada. 

Declaração de ingredientes diretos: 

Os alimentos que tenham em sua composição ingredientes alergênicos e seus derivados de forma direta, devem apresentar no rótulo a informação: “ALÉRGICOS: CONTÉM (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”; “ALÉRGICOS: CONTÉM DERIVADOS DE (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)” ou “ALÉRGICOS: CONTÉM (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares) E DERIVADOS”. 

No caso dos crustáceos, a declaração das advertências deve incluir o nome comum das espécies, da seguinte forma: ALÉRGICOS: CONTÉM CRUSTÁCEOS (nomes comuns das espécies)”; “ALÉRGICOS: CONTÉM DERIVADOS DE CRUSTÁCEOS (nomes comuns das espécies)” ou “ALÉRGICOS: CONTÉM CRUSTÁCEOS E DERIVADOS (nomes comuns das espécies)”.

A legislação também determina que tal informação deve estar disponível de forma legível, de fácil entendimento ao consumidor e que não gere confusão quanto à composição alergênica do produto. 

Declaração de ingredientes indiretos:

Nos casos em que não for possível garantir a ausência de contaminação cruzada por alérgenos alimentares, deve ser declarada a advertência: “ALÉRGICOS: PODE CONTER (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”. No caso dos crustáceos, a declaração da advertência deve incluir o nome comum das espécies, da seguinte forma: “ALÉRGICOS: PODE CONTER CRUSTÁCEOS (nomes comuns das espécies)”.

A utilização da declaração dos ingredientes indiretos deve ser baseada em um Programa de Controle de Alergênicos, ou seja, para que seja declarado como contaminação cruzada, todos os processos de controle devem ser rigorosamente adotados e verificados, e se ainda assim não for possível evitar a contaminação, declara-se no rótulo a presença do possível alergênico, conforme determinado na legislação.

A contaminação cruzada pode ocorrer por vários motivos, entre eles, falhas no processo produtivo e/ou na capacitação do manipulador, seja por meio da utilização do mesmo equipamento no processamento de vários produtos, por frações de alergênicos presentes no ambiente, no transporte, no armazenamento, no fracionamento realizado no momento da venda, por contato dos manipuladores ou até mesmo no local da plantação, onde existe cultivo de diferentes matérias-primas. 

O que não deve constar nos rótulos

É necessário que o consumidor consiga, através do rótulo, saber exatamente o que está consumindo e a origem daquele produto. Assim, a rotulagem não pode conter informações que o levem ao engano, como vocábulos, sinais, denominações, símbolos, emblemas, ilustrações ou outras representações gráficas que possam tornar a informação falsa, incorreta ou insuficiente.

A declaração da presença de ingredientes adicionados não intencionalmente, devido a uma possível contaminação cruzada, deve ser feita utilizando a expressão “ALÉRGICOS: PODE CONTER (nomes comuns de alimentos que causam alergias alimentares)”, estando incorretas as expressões “CONTÉM TRAÇOS DE…” e “CONTÉM DERIVADOS DE…” que ainda são muito utilizadas por diversos fabricantes. Também não é permitido o uso de alegações como: “ SEM TRIGO”, “SEM SOJA” e “SEM OVO”. Conforme disposto no Art 4° da RDC nº 727/2022, os alimentos, ingredientes, aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia não podem veicular qualquer tipo de alegação relacionada à ausência de alimentos alergênicos ou alérgenos alimentares, exceto nos casos previstos em regulamentos técnicos específicos. 

As informações de rotulagem não podem atribuir efeitos ou propriedades que não possuam ou que não possam ser demonstradas; nem destacar a presença ou a ausência de componentes que sejam intrínsecos ou próprios de alimentos de igual natureza, exceto nos casos previstos em normas específicas; ou ressaltar em certos tipos de alimentos processados, a presença de componentes que sejam adicionados como ingredientes em todos os alimentos com tecnologia de fabricação semelhante.

Considerações finais 

O acesso às informações adequadas sobre os ingredientes alergênicos presentes nos alimentos através da rotulagem é imprescindível para garantir a segurança no consumo. Contudo, é papel do consumidor sempre verificar a rotulagem dos produtos antes de realizar sua compra e consumo, tendo a indústria o compromisso de fornecer informações corretas a seus clientes.

As reações alérgicas desencadeadas pelo consumo de alimentos devem ser prontamente investigadas, pois podem trazer sérios perigos ao consumidor. Após manifestação dos sintomas, é importante procurar ajuda especializada, e a exclusão total do consumo de determinado alimento deve ser sempre orientada por um médico ou nutricionista. 

Referências

  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Perguntas e respostas sobre rotulagem de alimentos alergênicos, 5. ed. Brasília, DF: ANVISA, 2017. 
  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia Sobre Programa de Controle de Alergênicos, Guia nº 05 – Versão 02 de 16 de outubro de 2018. Brasília, DF: ANVISA, 2018.
  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº 727, DE 01 DE JULHO DE 2022. Dispõe sobre a rotulagem dos alimentos embalados. Diário Oficial da União. Brasília, DF: ANVISA, 2022.
  • Oliveira, A. R. V.; Pires, T. O.; Nascimento, L. P. C.; Gonçalves, J. E. M.; Nogueira, A. T. B.; Rolim, L. B. F. Alergia alimentar: prevalência através de estudos epidemiológicos. Revista de ciências da saúde Nova Esperança, v. 16, n. 1, p. 7-15, 2018.
  • REIS, V. S. Avaliação do teor de sódio em salgadinhos comerciais e da rotulagem de acordo com a RDC n° 26/2015 sobre alergênicos alimentares. Brazilian Journal of Food Technology, v. 23, 2020.
  • SÁNCHEZ, R., et al. Una visón global de las reacciones adversas a alimentos: alergia e intolerancia alimentaria. Nutricion hospitalaria, v. 35, n. 4, p. 102-108, 2018.
  • SOLÉ, D.; RODRIGUES, L.; COCCO, R. R.; FERREIRA, C. T.; et al. Consenso  Brasileiro  sobre  Alergia  Alimentar:  2018 – Parte  1 – Etiopatogenia,  clínica  e  diagnóstico. Documento conjunto  elaborado  pela  Sociedade  Brasileira  de  Pediatria  e  Associação  Brasileira  de  Alergia  e  Imunologia.  Arquivos  de Asma,  Alergia  e  Imunologia, 2018. Disponível em: http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=851 Acesso em: 10 fev. 2024.
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