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Rotulagem de Organismos Geneticamente Modificados em alimentos

A especialista Aline Nakele nos auxilia a compreender sobre a rotulagem OGM em alimentos.

Para falarmos de rotulagem de OGM, vamos iniciar com a Lei de Biossegurança nº 11.105, de 24 de março de 2005, que traz a seguinte definição: organismo geneticamente modificado – OGM é o organismo cujo material genético – ADN/ARN, tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética.

O Art. 40 da referida Lei, estabelece que “os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.”

Além da Lei de Biossegurança como base, de maneira geral (mas não somente), a legislação a ser seguida para a declaração de OGM na rotulagem de alimentos deve ser:

I. Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003 – regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (o famoso Código de Defesa do Consumidor – CDC), quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.

II. Instrução Normativa Interministerial nº 1, de 01 de abril de 2004 – define os procedimentos complementares para aplicação do Decreto nº 4.680/2003, que dispõe sobre o direito à informação, assegurado pela Lei 8.078/1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares, destinados ao consumo humano ou animal, que contenham ou sejam produzidos a partir de Organismos Geneticamente Modificados.

III. Portaria do Ministério da Justiça nº 2.658, de 22 de dezembro de 2003 – define o símbolo de que trata o Art. 2º, § 1º, do Decreto 4.680/2003.

Quanto a fiscalização

De acordo com a Instrução Normativa Interministerial nº 1/2004, deverá ser exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, pelo Ministério da Justiça e demais autoridades estaduais e municipais, no âmbito de suas respectivas competências.

Já o Decreto nº 4.680/2003 diz que “aplica-se as penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor e demais normas aplicáveis.”

Mas o que vamos entender aqui, é a partir de qual quantidade as empresas deverão informar ao consumidor sobre a natureza transgênica contida em seus produtos.

Vamos começar do começo

Tudo começou mesmo, com o Decreto nº 3.871, de julho de 2001 (revogado pelo atual Decreto nº 4.680/2003), que disciplinava, até então, a rotulagem de alimentos embalados que contenham ou sejam produzidos com organismos geneticamente modificados. Neste Decreto dizia que “Os alimentos embalados, destinados ao consumo humano, que contenham ou sejam produzidos com organismo geneticamente modificado, com presença acima do limite de QUATRO POR CENTO do produto, deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos.”

Foi somente quando foi publicado o Decreto 4.680/2003 que o limite passou para 1%, conforme seu Art. 2o : “Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.”

Bom, parece resolvido não é mesmo? Se houver presença acima do limite de 1% do produto, declara-se em destaque, no painel principal o símbolo  e, em conjunto, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”, conforme está definido no parágrafo 1o  deste mesmo Decreto. Além disso, o consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes, de acordo com o parágrafo 2º.

O que muitas empresas não sabem (ou ignoram tal fato) é que desde 2016, uma Decisão do Supremo Tribunal Federal – STF derrubou justamente esse limite de 1% para ZERO, ou seja, a partir de qualquer quantidade de OGM no produto, deve-se declarar no rótulo.

E não venha dizer que esta informação não está disponível, porque no site do MAPA, por exemplo, na parte sobre rotulagem OGM, está descrito com todas as letras: “Conforme decisões proferidas nos autos das ações civis públicas nº 2007.40.00.00047-1-6/PI e 2001.34.00.022280-6/DF. Os estabelecimentos que fabricam ou manipulam alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, nos termos do Decreto nº 4.680/2003, devem informar nos rótulos desses produtos a existência de OGM em qualquer percentual, mesmo inferior a 1% (um por cento).”

Vamos entender:

Em 2001 o Instituto de Defesa Do Consumidor – IDEC, entrou com uma Ação Civil Pública contra a União Federal para que houvesse uma informação clara nos rótulos de alimentos sobre o uso de transgênicos.

Nota: Esta Ação Civil pública ocorreu antes da publicação do Decreto nº 4.680/2003, quando ainda o Decreto nº 3.8718/2001 estava em vigor.

Pois bem, numa sentença favorável à Ação Civil pública, a União Federal e a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos – ABIA recorreram, fazendo com que em 2007 o TRF-1 mantivesse a sentença favorável a Ação Civil Pública. Foi nesse momento que a ABIA e a União Federal recorreram ao Supremo Tribunal Federal – STF.

Em 2012, o STF concedeu liminar suspendendo a decisão do TRF-1 até o julgamento do recurso.

Em 2016 veio a tão polêmica decisão. O STF julgou improcedente a Reclamação 14.873, mantendo assim a decisão do TRF-1 sobre a declaração na rotulagem a partir de qualquer percentual de OGM no produto.

Diante de tal decisão, o TRF-1 afastou a incidência do artigo 2º do Decreto nº 4.680/2003, que dispõe sobre a necessidade de informação na rotulagem sobre a existência de organismos geneticamente modificados somente quando ultrapassado o limite de 1%, sob a alegação de que prevalece o princípio da plena informação ao consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990).

E não é que faz sentido?! Uma vez que o Decreto nº 4.680/2003, veio justamente regulamentar o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8.078/1990, lembram?

Ainda segundo a decisão: “Verifica-se, portanto, que o afastamento da incidência do ato normativo se deu com base na sua incompatibilidade com a legislação infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor), de tal forma que a não aplicação da norma não teve como fundamento, explícito ou implícito, a incompatibilidade em relação à Constituição. Esse é o cerne que motiva o afastamento da aplicação do dispositivo legal, ainda que as normas e princípios previstos nessa legislação infraconstitucional também tenham assento constitucional”.

Gostou? “Tá” gostado! Não gostou? Ainda há uma esperança, sim!

Em paralelo a tudo isso, ainda existe um projeto de Lei da Câmara, o PLC nº 34/2015 cujo objetivo é alterar a Lei de Biossegurança, para liberar os produtores de alimentos de informarem ao consumidor sobre a presença de componentes transgênicos, quando esta se der em porcentagem inferior a 1% da composição total do produto alimentício.

Este PL está inclusive com Consulta Pública para votação disponível aqui.

De acordo com o PL, o art. 40 da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, passaria a vigorar com a seguinte redação: “Art. 40. Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com presença superior a 1% (um por cento) de sua composição final, detectada em análise específica, conforme regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento.”

E ainda que “§ 2º Aos alimentos que não contenham organismos geneticamente modificados será facultada a rotulagem “livre de transgênicos”, comprovada a total ausência no alimento de organismos geneticamente modificados, por meio de análise específica.”

Para fim de curiosidade, o Decreto nº 4.680/2003 já faculta a declaração “livre de transgênicos” em produtos que não contenham, nem sejam produzidos a partir de OGM, desde que tenham similares transgênicos no mercado brasileiro.

Aproveito para reforçar que o Decreto nº 4.680/2003 continua em vigor, com exceção apenas do seu Art. 2º quanto ao limite de 1% para a declaração de rotulagem, pois esta incidência foi afastada pela Decisão do STF.

Enfim, é aguardar cenas dos próximos capítulos.

Referências

– Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

– Decreto nº 3.871, de 18 de JULHO de 2001 – Planalto

– Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003 – Planalto

– Portaria nº 2.658, de 22 de dezembro de 2003 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

– Instrução Normativa Interministerial nº 1, de 01 de abril de 2004

– Lei nº 11.105, de 24 de MARÇO de 2005 – Planalto

– Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor – CDC

www.idec.org.br

Notícia STF sobre rotulagem de transgênicos – STF: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317258&ori=1

Reclamação citada acima julgada como improcedente: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/340336789/reclamacao-rcl-14873-ba-bahia-9984740-9520121000000

Sobre PL 34/2015 – Senado: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120996

MAPA: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-pecuarios/alimentacao-animal/rotulagem-de-ogm

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  1. Ótimo artigo, muito didático e esclarecedor da atual conjuntura da rotulagem de OGM no Brasil!

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