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Desperdício de alimentos em UANs no Brasil: Como reduzir este problema?

O desperdício de alimentos é um tema de grande relevância, pois afeta diretamente a segurança alimentar. Estima-se que a quantidade desperdiçada no mundo, poderia ser suficiente para alimentar, cerca de dois bilhões de pessoas.  No Brasil, o desperdício pode chegar a 39 mil toneladas por dia, ocupando o ranking dos 10 países que mais perdem alimentos no mundo (FAO, 2013).

O desperdício de alimentos ocorre em diversas etapas na cadeia de produtiva, desde da produção, passando pelo transporte e armazenamento, até a sua elaboração e comercialização. Neste cenário, as Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs), são os grandes responsáveis por estes desperdícios na ponta da cadeia, uma vez que são estabelecimentos produtores de refeições. Cerca de 15 a 20 % da produção são perdidos no setor de refeições coletivas e cozinhas (Kakitani et al., 2014).

O desperdício de alimentos em UAN pode ser apresentado, principalmente, de 2 formas: Resto Ingesta (RI) e Sobra Limpa (SL). O resto-ingesta é a relação entre o resto devolvido nas bandejas ou nos pratos pelo comensal e a quantidade de alimentos e preparações alimentares oferecidas, expressa em percentual. Enquanto que a Sobra Limpa ou sobra aproveitável, é aquele alimento que foi produzido, mas não foi para o balcão de distribuição, ou seja, são alimentos produzidos e não distribuídos que permaneceram no pass through (FERREIRA, et al. (2012). Segundo Vaz (2006), as UANs podem ser classificadas em relação ao índice de desperdício, sendo classificadas como: ótimo, quando os restos não ultrapassam 3% da produção, em bom entre 5 e 10% de resto, em ruim entre 10% a 15% e em péssimo, quando os restos forem maiores que 15% da produção. No Brasil, elevados índices de desperdício são observados em UANs, em diferentes regiões do país. 

Na região Sul, Canonico et al., (2014) observaram elevados índices de desperdícios em um restaurante Popular em Maringá-PR (1000 Refeições/dia), tanto de sobra limpa (66,51 Kg/dia, cerca de 16 %), quanto para resto-ingesta (36,28 Kg/dia, cerca de 9,5 %). Em uma UAN universitária em Francisco Beltrão-PR, Massarollo et al., (2019) observaram um desperdicio de 8,1 Kg de resto-ingesta em 268 refeições servidas, o que seria possível alimentar 16 pessoas/dia.

Na região sudeste, Fernandes et al., (2020) avaliaram o efeito de ações de conscientização sobre comensais para o resto ingestão em UAN militar de São Paulo (1200 refeições/dia), e observaram reduções nos índices desperdício, de 9,05% (65,6 Kg/dia) para 4,49 % (12,9 Kg/dia). Soares et al. (2011), avaliaram o impactado dos desperdícios nos custos em uma UAN de grande porte (18 mil refeições) de uma siderúrgica em Ipatinga – MG, onde o custo mensal com sobra limpa representava, cerca de 80 a 108 salários mínimos/mês.

A mesma tendência de desperdício é observada nas demais regiões do país. No Centro-oeste, Carneiro et al., (2014), observaram uma média de resto ingesto de 10,51% semanal em uma UAN industrial em Mineiros – Goiás, sendo desperdiçado 2,5 ton de alimentos no mês. No Norte, COSTA, et al., (2017), relataram 804,4 Kg de alimentos desperdiçados em 10 dias de análise (média de 12 % por dia), em UAN Universitária na UFAC, quantidade suficiente para alimentar cerca de 1435 pessoas. Já no Nordeste, Barbara et al., (2019), obseravaram, em uma UAN em Nossa Senhora do Socorro – SE, um índice de resto-ingesta e de sobra limpa de 9,29% e 3,04%, respectivamente, o que alimentaria cerca de 251 pessoas. 

Diversos fatores podem contribuir para um elevado índice de desperdício, como falta de qualidade, falta de planejamento e variedade no cardápio, falta de utilização de ferramentas de qualidade, desconhecimento do público assistido, falta de treinamento dos funcionários e falta de conscientização dos comensais. Assim, é fundamental identificar quais são os problemas relacionados ao desperdício para que ações específicas sejam tomadas, a fim de reduzir estes problemas (Kakitani et al., 2014).

Além de perdas e, consequentemente, aumento dos custos nas UANs, o desperdício gera impactos socioambiental e políticos. A questão do desperdício de sobra limpa está relacionada ao combate a fome e as pessoas em vulnerabilidade social, uma vez que são alimentos com condição de consumo que são jogados fora. Assim, a recuperação da sobra limpa resulta, não só na redução dos impactos ambientais, mas também no combate a fome. Por ser um problema nacional, ações políticas públicas voltadas para o aproveitamento da sobra limpa, pode ser uma excelente alternativa para minimizar esses problemas.

Dentro desse contexto, recentemente foi sancionado no Brasil, o projeto de lei 14.016, que dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano. Contudo, instituições e associações ligadas à segurança alimentar e segurança dos alimentos, além de conselhos regionais profissionais, demonstraram certas preocupações relacionadas com a Lei, no tocante a garantia da segurança dos alimentos. Devido a grande importância do tema, a Lei 14016/2020 entrou na pauta da agenda regulatória da Anvisa deste ano, visando a elaboração de instrumentos regulatórios para garantir a segurança sanitária desses alimentos, por meio da publicação de um instrumento regulatório que apresente regras ou orientações para essa atividade.

O desperdício de alimentos é um grande tema que deve ser rotineiramente discutido nos mais diversos âmbitos da sociedade, com o intuito de minimizar ao máximo este problema, que abrange diferentes setores produtivos no país.

 

Referências: 

Barbara, D. S., dos Santos, G. R., Santana, N. N., da Silva, L. B., Torres Boudou, F. S., & Filha, E. S. (2019). Avaliação de Sobras Limpas e Resto-Ingesta em uma Unidade de Alimentação e Nutrição na cidade de Nossa Senhora do Socorro-SE. Revista Ciência (In) Cena, 2(9), 52-59.

Canonico, F. S., Pagamunici, L. M., & Ruiz, S. P. (2014). Avaliação de sobras e resto-ingesta de um restaurante popular do município de Maringá-PR. Revista UNINGÁ Review, 19(2).

Costa, N. A., de Farias, L. S., de Araújo, L. P., Rodrigues, B. T. C., de Oliveira, R. L., & Dias, F. S. B. (2017). Análise do custo do resto ingestão do restaurante universitário da Universidade Federal do Acre. South American Journal of Basic Education, Technical and Technological, 4(1).

Carneiro, N. S. (2014). Desenvolvimento de campanha contra desperdício de alimentos em uma unidade de alimentação e nutrição na cidade de Mineiros–GOIÁS. Revista Saúde Multidisciplinar, 2(1).

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (2013). Food wastage footprint: Impacts on natural resources. Rome. Available: http://www.fao.org/docrep/018/i3347e/i3347e.pdf. Accessed on: July 6, 2021.

Fernandes, V., Scotá, G., Narchi, M., Casagrande, I., Beneton, C., & Corrêa, F. F. (2020). Comparação do resto ingestão alimentar em uma Unidade de Alimentação e Nutrição Militar na cidade de São Paulo. Disciplinarum Scientia. Série: Ciência Saúde, 21(1), 35-45.

Ferreira, J. A., dos Santos, C. H. P., Pereira, A. J. S., de Barros Britto, M., dos Santos, D. R., & Britts, L. T. (2012). Avaliação da sobra limpa e resto ingesta de um CEINF em Campo Grande-MS. Ensaios e Ciência Biológicas Agrárias e da Saúde, 16(1). 

Kakitani, R., da Silva, T. I. F. F., & Shiino, E. T. (2014). Desperdício de Alimento no pré-preparo e pós-preparo em um refeitório industrial. Revista Ciências do Ambiente On-Line, 10(1).

Massarollo, M. D., de Moura Fagundes, E., & Prieto, L. M. (2019). Avaliacao do resto-ingesta em um restaurante universitario do municipio de Francisco Beltrao-PR. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, 13(81), 703-708

Soares, I. C. C., Silva, E. R. D., Priore, S. E., Ribeiro, R. D. C. L., Pereira, M. M. L. D. S., & Pinheiro-Sant’Ana, H. M. (2011). Quantificação e análise do custo da sobra limpa em unidades de alimentação e nutrição de uma empresa de grande porte. Revista de Nutrição, 24, 593-604. 

Vaz, C. S. (2006). Restaurantes: controlando custos e aumentando lucros. Brasília: Metha, 193.

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