Intolerância e alergias alimentares: Diferenças, sintomas e impactos na saúde

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Introdução

Intolerâncias e alergias alimentares estão se tornando cada vez mais comuns (Nações Unidas, 2022), acometendo, aproximadamente, 6% das crianças menores de 3 anos e 3,5% dos adultos em todo mundo (Milkpoint, 2020). A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) juntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), desenvolveram o Codex Alimentarius que tem a finalidade de definir normas internacionais na área de alimentos, incluindo diretrizes, padrões de qualidade e de segurança, com o intuito de prevenir problemas alérgicos graves (Nações Unidas, 2022).

De acordo com o Jornal da USP (2024), cerca de 200 milhões de pessoas no mundo apresentam alergia alimentar e as estatísticas evidenciam aumento nos próximos anos. No Brasil, a RDC nº 727, de 1° de julho de 2022 (Brasil, 2022) determina regras claras sobre a rotulagem de alimentos, bebidas, ingredientes, aditivos e coadjuvantes, incluindo informações a respeito dos principais alimentos que causam alergias alimentares, a fim de que os consumidores tenham informações claras e seguras sobre a presença de alergênicos nos alimentos.

É importante ressaltar que intolerância alimentar e alergia são condições fisiopatológicas distintas (Barros et al., 2023). Segundo o Ministério da Saúde (2022), a intolerância alimentar ocorre quando o corpo tem dificuldade em digerir certos alimentos, geralmente devido à falta ou insuficiência de enzimas que degradam macromoléculas em moléculas menores, as quais podem ser absorvidas e utilizadas pelo organismo. O alimento frequentemente envolvido é o leite e seus derivados (Muthukumar et al., 2020), e a lactose se destaca como a principal causadora desse problema. O grau de severidade dos sintomas vai depender da quantidade do alimento que for ingerido. Por outro lado, alergia alimentar é uma resposta anormal do sistema imunológico do indivíduo, desencadeada pela ingestão de determinados alimentos (Oliveira; Duarte, 2023). Santos, Monte e lobo (2021), destacam que esse problema é frequentemente provocado por alimentos específicos e que diversas pesquisas estão expandindo o conhecimento nessa área. Entre os alimentos causadores de alergias alimentares estão leite, ovos, amendoim, nozes, cereais como trigo, cevada, centeio, aveia e malte, sementes de gergelim, soja, e frutos do mar como mariscos, camarão e bacalhau (Tiritan, 2024). A gravidade das reações também pode variar conforme cofatores relacionados com o uso de medicamentos no início da reação, existência de asma ou rinite alérgica e doenças associadas (Sarinho; Lins, 2017; Muthukumar et al., 2020).

Intolerância à lactose e sintomas associados ao problema

A intolerância à lactose é uma condição que pode ocorrer devido à deficiência da enzima lactase, que é responsável pela digestão da lactose, carboidrato encontrado no leite (Barrinha et al., 2020). O Ministério da Saúde (2018) a classifica em deficiência primária, marcada pela diminuição natural da produção de lactase ao longo do tempo, ocorrendo como consequência do envelhecimento; e deficiência congênita, a qual está associada à completa falta da enzima lactase desde o nascimento da criança (Marcon; Dias; Benincá, 2018; Pereira; Ferreira; Marques, 2019). Há ainda a deficiência secundária, quando ocorre diminuição na produção da lactase em consequência de doenças intestinais (Ministério da Saúde, 2018).

A rapidez com que a lactose é absorvida está relacionada à quantidade de lactase presente na mucosa intestinal. A lactose quando clivada se torna glicose e galactose, que são transportadas até o fígado e permanecem disponíveis para o organismo (Feliciano; Frange, 2021). Quando não há digestão da lactose no organismo devido à deficiência da lactase (Figura 1), a lactose não é absorvida ou utilizada de forma adequada, resultando em seu acúmulo no cólon e fermentação pelos microrganismos intestinais (Bakanovas, 2020), que na maioria das pessoas se manifesta na vida adulta.

Figura 1: Representação da intolerância à lactose.

Fonte: Autores

Segundo Major et al. (2017), a fermentação desses carboidratos resulta na formação de gases como hidrogênio, metano e dióxido de carbono, causando flatulência, distensão e cólica abdominal, sintomas comuns da intolerância à lactose, e que causam grande desconforto gastrointestinal.

Alergias alimentares e sintomas associados ao problema

A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é uma reação anormal do sistema de defesa de alguns indivíduos contra os componentes proteicos do leite, especialmente a alfa-lactoalbumina e a caseína. Esse tipo de alergia envolve uma série de reações imunológicas direcionadas a essas proteínas, tornando-se um tema relevante devido às implicações nutricionais e gastrointestinais que podem ser provocadas em crianças (Guimarães et al., 2021). O leite de vaca, segundo Zanuto et al. (2024), está entre os oito principais alérgenos que incluem ovo, soja, trigo, amendoim, frutos secos, peixes e mariscos. Esses pesquisadores relatam que as manifestações da APLV podem ser categorizadas como: mediadas por IgE (Imunoglobulina E), não mediadas pela IgE e APLV mista, que combina mecanismos IgE mediados e não mediados. Na figura 2 mostra um esquema de como ocorre reação alérgica ao leite.

Figura 2: Esquema da reação alérgica ao leite.

Fonte: Gimenez et al. (2022)

As manifestações mediadas por IgE apresentam sintomas rápidos, logo após a ingestão da proteína ou dentro de um intervalo de 1 a 2 horas. Os mediadores promovem a vasodilatação, resultando em manifestações agudas; a pele pode exibir reações localizadas como urticária ou erupções cutâneas, enquanto o trato gastrointestinal pode manifestar sintomas como náusea, vômito ou diarreia. As respostas respiratórias podem incluir tosse, chiado ou falta de ar, enquanto o sistema cardiovascular pode sofrer alterações na pressão arterial ou na frequência cardíaca (Pratelli et al., 2024).

As reações não mediadas pela IgE na APLV são tardias, podendo surgir horas ou até dias após a exposição ao alérgeno. Os distúrbios alérgicos alimentares gastrointestinais não mediados por imunoglobulina E incluem a síndrome da enterocolite, enteropatia e a proctocolite alérgica que são induzidas por proteína alimentar e se apresentam com sintomas de gravidade variável, afetando o trato gastrointestinal em resposta a antígenos alimentares específicos (Labrosse et al., 2020).

Já a APLV mista, combina mecanismos de IgE mediados e não mediados. As manifestações clínicas são decorrentes das ações de células do nosso organismo (como os linfócitos T), podendo ter a participação dos anticorpos de IgE, apresentando sintomas como: dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, perda de peso, observados na enterocolite eosinofílica; dificuldade para engolir, sensação do alimento estar “agarrado” no esôfago, refluxo, que ocorrem na esofagite eosinofílica; e alterações na pele como prurido (coceira) e lesões avermelhadas e descamativas (eczema) presentes na dermatite atópica (ASBAI, 2023).

Considerações finais

Problemas relacionados a intolerâncias e alergias alimentares estão cada vez mais frequentes entre a população. Sabe-se que o consumo de leite e derivados é elevado e, com isso, cresce o número de pessoas que apresentam intolerância à lactose. Nesse cenário, as indústrias de laticínios vêm desenvolvendo produtos “Zero lactose”, no entanto, é fundamental que os consumidores intolerantes se atentem no momento de compra quanto à leitura do rótulo. Indivíduos que apresentam essa intolerância não devem excluir totalmente esses alimentos da sua alimentação e, sim, consumir em pequenas porções em virtudes aos benefícios que o leite pode apresentar.

Por outro lado, a alergia alimentar é uma resposta anormal do sistema imunológico do indivíduo que pode ser ocasionada ao consumir determinados alimentos. A alergia à proteína do leite de vaca é um exemplo de alergia alimentar que predomina em crianças menores de 3 anos, podendo afetar diversos sistemas do organismo, incluindo o trato gastrointestinal. Quando mediada pela imunoglobulina E (IgE), os sintomas alérgicos aparecem rapidamente e são facilmente identificáveis. Entretanto, reações tardias (não mediadas por IgE) ou mistas (mediadas por IgE e células) podem causar sintomas variados, que frequentemente se sobrepõem a outras condições e apresentam ampla variação em tempo de início e intensidade.

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