De Resíduos de Frutas a Ração: Sustentabilidade para Nutrição Pets

Os animais acompanham o homem há muito tempo, e hoje sabemos por meio de pesquisas, testes e muita observação que o simples ato de acariciar um animal é capaz de fazer milagres. Nossas relações com os animais, especialmente os cães, evoluem de tal maneira que além de "animais de estimação" também auxiliam pessoas em todo mundo, em diferentes âmbitos, especialmente na área da medicina humana (Lampert, 2014). Um dos principais impactos dessa humanização que pode ser observado é a ascensão do mercado de alimentos naturais, até então uma tendência humana, para os pets (Silva et al., 2021).

No Brasil há uma quantidade de 149,6 milhões de pets, sendo eles 58,1 milhões de cães, 27,1 milhões de gatos, 41 milhões de aves, 20,8 milhões de peixes ornamentais e 2,53 milhões de pequenos répteis e mamíferos. O mercado pet faturou cerca de R$ 41,96 bilhões em 2022, sendo 80% oriundo do ramo pet food, com crescimento de 18,3% para o mesmo setor, colocando o Brasil em 6° lugar no ranking mundial de faturamentos dentro do setor (4,5%) (ABINPET, 2023).

A produção de alimentos gera uma grande quantidade de resíduos desde a produção primária e transformação industrial até chegar aos consumidores. Cerca de 30% da produção agrícola e alimentar resulta em resíduos ou subprodutos que podem ser reprocessados ​​para outras aplicações de interesse industrial, por exemplo, a indústria pecuária, que é uma das mais significativas do mundo devido à sua alta demanda crescente e aos novos desafios para garantir a segurança alimentar (Valdez-Baro et al,. 2024).

Com o objetivo de atender às pautas ambientais e promover a sustentabilidade, tem-se observado uma crescente preocupação com os impactos que a indústria de alimentos causa ao meio ambiente. Esse cenário tem impulsionado o setor de produção animal a buscar alternativas de produção menos degradantes e mais alinhadas com os princípios da sustentabilidade. Uma alternativa encontrada é o uso de subprodutos e resíduos agroindustriais, como cascas de frutas, vegetais e cereais que se apresenta como uma estratégia promissora para a formulação de rações mais sustentáveis, o que pode reduzir significativamente a quantidade de resíduos sólidos e a pegada de carbono associada à produção de alimentos (Ceregatti, 2022; Menezes, 2024). Este artigo técnico tem como objetivo abordar de forma científica a tendência do uso de resíduo de frutas na dieta de animais de companhia, cães e gatos.

Produção de frutas e resíduos

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de frutas; apesar das restrições climáticas em algumas regiões, a fruticultura tem grande importância econômica e social no país. As maiores áreas cultivadas com fruticultura no Brasil estão no Nordeste, quase 52%, seguido pelo Sudeste onde estão 26% da área implantada no país, destacando-se na produção de citros. Os cultivos de laranja, banana, cacau e caju ocupam as maiores áreas no Brasil, sendo que cacau e caju se concentram no Nordeste. Em termos de valor de produção, destaca-se a banana que é cultivada em todo o país e a laranja que se concentra no Estado de São Paulo (Vidal, 2021).

Estima-se que 53% da produção de frutas é destinada à venda de orgânicos e 47% utilizada no setor agroindustrial para produção de polpa, farinha, geleias e outros produtos alimentícios. Com isso, o beneficiamento dessas frutas gera resíduos que muitas vezes não chegam aos devidos destinos e são descartados erroneamente, produzindo odores devido à decomposição da matéria orgânica e formação de chorume, representando uma ameaça ao meio ambiente, poluindo o solo, atingindo águas subterrâneas e rios (Guimarães et al., 2023).

Resíduos de frutas, especialmente cascas, são ricos em compostos bioativos valiosos e servem como recursos de baixo custo para as indústrias farmacêutica, alimentícia e cosmética. Eles também podem ser usados ​​como biossorventes econômicos para remover poluentes e como meios de crescimento para micróbios produzirem metabólitos de alto valor. Os resíduos de cascas de frutas vêm de várias fontes, como d fabricação de geleias, frutas enlatadas, sucos, marinadas, recheios de tortas, couro de frutas, frutas secas, barras de frutas, pãezinhos e uso diário (Yoonge Leong, 2022; Yusuf, 2019).

Sustentabilidade na nutrição animal

A sustentabilidade na nutrição e produção animal é um tema muito importante atualmente. Envolve a busca por práticas que reduzam o impacto ambiental, promovam o bem-estar animal e garantam a produção de alimentos de maneira mais sustentável. Aqui estão alguns pontos chave relacionados à sustentabilidade na produção animal: eficiência na utilização dos recursos, bem estar animal, redução das emissões de gases de efeito estufa, uso responsável de antibióticos e alternativas sustentáveis.

O agronegócio já representa uma das atividades que mais contribuem para o crescimento do nosso país. Contudo, aliada à evolução, ao desenvolvimento e à transformação de alimentos, está a geração de muitos resíduos, sendo estes um dos principais problemas ambientais não só no Brasil, mas no mundo. Os resíduos gerados nas atividades industriais podem ocasionar problemas ambientais, caso não recebam destino adequado (Nóbile et al., 2017).

O crescimento da preocupação com o meio ambiente é uma das causas do surgimento de maior mobilização por parte das indústrias e comércio para a redução e/ou reaproveitamento de resíduos. Em diversas partes do mundo, instituições governamentais e indústrias têm se mobilizado para implementar políticas de preservação ambiental, com o objetivo de minimizar os impactos causados pelas atividades industriais. Parte desse impacto ambiental é decorrente da falta de planejamento das empresas em relação ao gerenciamento do descarte dos resíduos agroindustriais (Giordani Junior et al., 2014).

Os altos índices de geração de resíduos provenientes de produtos agrícolas e agroindustriais, nas cinco regiões do Brasil, nem sempre são direcionados exclusivamente à transformação em alimentos. A utilização desses resíduos, seja para fins alimentares ou outros, deve considerar diversos fatores, especialmente os aspectos econômicos. A viabilidade econômica do aproveitamento desses resíduos é o que determinará sua destinação final, seja ela voltada à alimentação ou a outras aplicações (Costa Filho et al,. 2017).

Com o processamento da agroindústria frutícola para a extração de sucos e polpas instaladas por toda a região nordeste, tem-se gerado um incremento na produção de resíduos não utilizáveis na alimentação humana, que podem ser aproveitados na dieta animal, tornando-se importante fator de barateamento nos custos de produção, além de contribuir para minimizar o impacto ambiental causado pelo acúmulo desses resíduos na natureza (Braga Sobrinho, 2014).

Os coprodutos provenientes de frutas e vegetais representam um desafio ambiental significativo, pois são frequentemente descartados em aterros sanitários ou corpos d’água, contribuindo para o bloqueio de cursos d’água e aumento da poluição orgânica. Em muitas nações em desenvolvimento, está ocorrendo uma mudança nas práticas agrícolas, favorecendo o cultivo mais lucrativo de frutas e vegetais em detrimento dos cereais tradicionais. É previsto que essa transição leve a quantidades substanciais de coprodutos de frutas e vegetais no futuro. Reciclar esses materiais e reintegrá-los na cadeia alimentar, convertendo-os em ração animal, parece ser uma estratégia de mitigação adequada. Além de seu uso como constituintes de ração, alguns desses produtos também contêm compostos bioativos benéficos que podem ser aproveitados como aditivos fitogênicos que contribuem para o bem-estar animal (Wadhwa e Bakshi, 2013; Wadhwa e Bakshi, 2015).

Resíduos de frutas para pets

Os três principais parâmetros que afetam a aplicação de ingredientes alternativos para ração na nutrição animal estão relacionados a fatores animais e à presença de fatores antinutricionais, logística de produção e lucro que se estende da indústria de processamento de alimentos para a indústria de ração e, finalmente, para o agricultor. Os mesmos fatores afetam a aplicação de coprodutos de frutas e vegetais na nutrição animal (Williams e Agri, 2014). Um dos exemplos é a uva, os frutos de Vitis vinifera e seus produtos secos (passas, passas e groselhas) foram relatados como causadores de insuficiência renal em cães, em que a síndrome tóxica também foi observada com o consumo de bagaço (o resíduo das uvas após a prensagem) (Sutton et al., 2009; Lovell e Ma, 2009).

A caracterização e o desenvolvimento de novas fontes de fibras alimentares são de interesse na indústria de alimentos para animais de estimação, especialmente ingredientes derivados de fontes naturais e com propriedades funcionais na saúde intestinal. Os potenciais benefícios à saúde da ingestão de fibras dependem de suas propriedades físico-químicas, incluindo fermentabilidade, solubilidade e viscosidade (Holscher, 2017).

José et al. (2017) avaliou o efeito da suplementação dietética de extrato de casca de romã (metanólico) na digestibilidade de nutrientes, metabólitos fermentativos fecais e estado antioxidante de cães. Os resultados indicaram que a suplementação com extrato de casca de romã não levou a mudanças significativas na digestibilidade de nutrientes, exceto uma tendência de melhora na digestibilidade da fibra bruta, com impacto positivo na fermentação no intestino posterior e no estado antioxidante, demonstrando assim seu potencial como um nutracêutico promotor da saúde intestinal.

Estudo realizado por Monti et al. (2024) caracterizou a fibra de goiaba como um ingrediente fibroso e avaliou seus efeitos quando incluída em dietas extrusadas para cães na digestibilidade de nutrientes, características fecais, produtos de fermentação, tempo de trânsito gastrointestinal e palatabilidade. A adição de fibra de goiaba não alterou a ingestão de nutrientes, exceto pelo aumento da fibra alimentar, resultou em uma redução quadrática na digestibilidade aparente do trato total para matéria seca, matéria orgânica, proteína bruta e energia bruta e no conteúdo de energia metabolizável dos alimentos, não alterou a concentração fecal de amônia, ácido láctico, pH fecal e ácidos graxos de cadeia ramificada, mas diminuiu a concentração de ácidos acético e propiônico, e resultou em um tempo de trânsito mais rápido em comparação com a dieta controle; concluindo que a fibra de goiaba pode ser caracterizada como uma nova fonte de fibra insolúvel não fermentável que pode ser usada com segurança em níveis de até 12% em dietas extrusadas caninas.

Pesquisa realizada por Brambillasca et al. (2013) avaliaram as características cinéticas da fermentação e a digestão de nutrientes in vivo, as características fecais e as populações bacterianas de alimentos para cães misturados com polpa cítrica e bagaço de maçã. Como resultado, a polpa cítrica e o bagaço de maçã incluídos em uma dieta para cães aumentaram a atividade de fermentação no intestino posterior; o bagaço de maçã apresentou a maior taxa máxima de fermentação de produção de gás que atingiu o menor tempo, melhorando de forma linear e quadraticamente à medida que os níveis de fibra aumentaram, evidenciando que a polpa cítrica e o bagaço de maçã incluídos em uma dieta para cães podem aumentar a atividade de fermentação no intestino posterior.

Pacheco et al. (2021) avaliaram a inclusão de polpa cítrica e fibra de laranja em alimentos para cães e seus efeitos no coeficiente de digestibilidade aparente de nutrientes e produtos finais de fermentação. A ingestão total de fibra alimentar aumentou com a adição de polpa cítrica, com redução linear no coeficiente de digestibilidade aparente total de nutrientes e energia. O tratamento com fibra de laranja, no entanto, apresentou valores de digestibilidade de matéria seca e proteína bruta semelhantes aos da dieta controle, além da redução do pH fecal e as concentrações totais de ácidos graxos de cadeia curta, ácido acético, ácido butírico e lactato que aumentaram com a inclusão das fibras. O mesmo autor conclui que a fibra de laranja foi mais fermentável do que a polpa cítrica, com impacto limitado na formação de ração, cozimento do amido e digestibilidade de nutrientes, e mostrando boa aceitação em dietas para cães.

Conclusão

O uso de resíduos de frutas na nutrição de cães e gatos representa uma alternativa promissora tanto para a sustentabilidade ambiental quanto para a saúde dos animais. Ingredientes como casca de romã, fibra de goiaba, polpa cítrica e bagaço de maçã demonstraram potencial para melhorar a digestibilidade, promover a saúde intestinal e contribuir para a redução de resíduos agroindustriais. No entanto, a escolha dos ingredientes deve ser criteriosa, considerando a segurança alimentar dos animais de estimação, pois alguns compostos podem ser específicos, como no caso das uvas. Dessa forma, pesquisas contínuas são essenciais para validar os benefícios e estabelecer diretrizes seguras para a inclusão desses subprodutos na alimentação animal.

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